Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

  


Neste poderoso livro Misericórdia

há uma vida quase desconhecida, mas veemente, que se passa num lar da terceira idade, no qual a mãe de Lídia

irá viver os seus últimos tempos de vida.

Num ambiente concentracionário a escritora consegue atingir a esperança pelo mistério que a todos envolve,

afinal,

que a todos amarra,

num tempo de muitos tempos de pessoas em fim de vida

e de outras

quando tudo é experiência da condição humana.

E de tudo nos despedimos antes de entrar para estes locais-casas-do-adeus-final.

Antes,

há despedidas das nuvens e da lua que permanecem; dos bules de chá e dos caminhos para casa; das glicínias, do guarda-fato das peças amadas, das fotografias, e demais realidades que o livro recorda como de imprescindível despedida.

E é preciso não esquecer que este adeus é de um nunca mais ver pelo mesmo ângulo

e é de algum modo,

a memória surpreendente com a qual Dona Alberti enfrenta a nova residência-lar, acautelando que

Morrer é isso mesmo, é a verdade e a mentira já serem coisas iguais,

e isso ela não permitirá, nem que tenha de abrir todas as gavetas de uma cómoda imaginária até encontrar dois ouvidos:

o dela e o dos outros.

Até que consiga dar luta à charrete, cadeira de rodas das tangentes e secantes, empurrada por quem se não vê, mas que pode visar a alma

se nada se souber dos dias belos.

 

Um livro duro, realista até nos conflitos entre os residentes

quando nem se aproximando a morte se esbatem as classes sociais.

Quando até as formigas são suspeitas,

e as crianças acendem balões de cheiros de maçã assada com memórias de canela.

E cheia de fulgor:

Deixa-me da mão, ó noite. Estou cheia de energia, quero voltar ao pátio da escola e saltar até me voar o chapéu.

 

A filha de Dona Alberti

é escritora,

e diz à mãe que escreve sobre o cão da História

e admite

com um saber fulgurante de quem engravida,

que voltou a não descobrir

aquilo que queria,

 

e que por essa razão precisará de escrever outro livro.

 

Pelos livros de papel, por quem oferece livros em vez de vazios e violências,

para que se não deixem os homens ao abandono, e se lhe escutem e interpretem as falas, e se lhes faça companhia,

 

e pelo fenómeno multiplicador da poesia

 

assim te aguardo e te espero ó Lídia Jorge!

Teresa Bracinha Vieira