CRÓNICAS PLURICULTURAIS
125. FOCOS DE RESISTÊNCIA À NORMALIZAÇÃO QUE NORMALIZAM
As manifestações da liberdade de expressão, implementadas pela criação de regras estruturantes de um novo tipo de confronto verbal de opiniões, não existem para ser agradáveis, concordar e dizer bem, fazendo mais falta quando geradoras de discussão, podermos opinar e ser informados sobre temas chocantes, polémicos, não elogiosos, inconvenientes, que abominamos e magoam, protegendo quem discorda de nós, cujas ideias não aceitamos, refutamos ou odiamos.
Nos Estados Unidos da América, onde é mais ampla e irrestrita, são lícitas opiniões e discursos agressivos, cortantes, deploráveis, indecorosos, vergonhosos, de mau gosto, ofensivos, provocadores, violentos, não moralistas, racistas, antirreligiosos, antissemitas, chauvinistas, xenófobos, negacionistas do holocausto, não sendo as exceções determinadas pelo teor das expressões proferidas, mas sim se houver um risco inequívoco de algo grave ou muito grave, se se souber da falsidade dos dizeres ou textos, só sendo ilegal o incitamento à prática de crimes se existir um risco manifesto de ocorrerem e na sequência do que se expressou.
Esta liberdade de expressão permite encontrar um vencedor, um vencido, não haver vencedores nem vencidos, ficarem uns mais convencidos que outros, escrutinando-se, criticando-se, ouvindo-se via contraditório, mesmo que gritando, fazendo demagogia, substituindo insultos verbais primitivos e uma violência física tribal por uma compensação que é sublimada por uma liberdade que quer normalizar o tido por saudável a nível da expressão, do pensamento, da criatividade e da informação.
Em paralelo com as grandes manifestações desportivas, ao permitirem encontrar um vencedor e um perdedor sem agressões físicas, derramamento de sangue ou mortes, aceitando certas condutas de grupo em estádios como uma fuga ou compensação para antiquados atos de violência tribal sublimados por gritaria, berraria, ruído e insultos verbais emergentes da multidão e por ela atenuados e abafados.
Soma-se à verdade de um argumento tido por antropológico e sociológico, a de um tido como evolutivo e civilizacional, em dois exemplos de focos de resistência à normalização que com o seu escapismo consentido e legal acabam por normalizar o que ab initio nem sempre se presume ou se tem como adquirido.
11.11.22
Joaquim M. M. Patrício