A FORÇA DO ATO CRIADOR
Na opinião de Rem Koolhaas, a cidade contemporânea é desconexa e vive da interrupção permanente.
‘I believe in uncertainty. In order to be really convinced of something you need a profound dislike for almost everything else, so that it’s crucial in certain projects to explore your phobias in order to reinforce your convictions.’, Rem Koolhaas (Finding Freedoms: Conversation with Rem Koolhaas, El Croquis 53+79, 2005)
Na conversa com Alejandro Zaera publicada na revista El Croquis 53+79, lê-se que Rem Koolhaas embora, no início dos anos oitenta pensasse a arquitetura como um eco, como um processo de réplica, que faz parte de um manifesto retroativo e que cria continuidade, acredita agora no potencial da invenção.
Um projeto depende intrinsecamente das condições existentes. Mas a capacidade crítica e decisiva tem de ser subjetiva, específica e única. Projetar sim sem juízos prévios, mas de modo a contradizer a desconstrução e a inevitabilidade, de modo a não ser caos nem representação. Para Rem, projetar é um ato simultaneamente intuitivo e explícito, ambíguo e literal, subentendido e manifesto. É um ato que se faz sem pensar nas consequências, mas existe para encontrar soluções e propor conceitos - por isso a ideia de tábula rasa de Le Corbusier é uma noção importante para Koolhaas porque nem tudo tem a capacidade de ser eterno. O culto da paranoia e a interpretação do delírio, para Koolhaas poderá ser o estímulo que despoleta novas ideias e novas maneiras de ver o mundo: ‘…it is for me as important to create a kind of unconscious, some disturbance in the realization of any process, as to work very precisely on the definition of our building experience.’, Rem Koolhaas, 2005
Rem Koolhaas discorda com a ideia de que a arquitetura é por definição caótica. A arquitetura, por ser concreta e real, mas não pertence à ideia de que tudo é desordem, confuso e descontrolado. A cidade contemporânea, de facto, é um conjunto de elementos construídos e desconexos, mas a arquitetura poderá afirmar-se contra a eliminação da necessidade de lugar e contra o triunfo da fragmentação. Koolhaas refere a importância sobre como tentar encontrar uma solução para aquilo que o Team X deixou em aberto, isto é, como relacionar a indeterminação de um contexto real com a especificidade arquitetónica. A constante crítica e o julgamento permanente poderão prejudicar o processo de projeto. Rem acredita que o arquiteto é um veículo sujeito a desvios, progressões, tropismos, tendências e mutações e que se deve mover num espaço amoral e experimental.
‘Our intention could be synthesized in how to turn all that garbage of the present system into our advantage. A kind of democratic King Midas: try to find the concept through which the worthless turns into something, where even the sublime is not unthinkable.’, Rem Koolhas, 2005
Rem deseja entender como infraestruturas incoerentes e díspares podem funcionar em conjunto e como encontrar o sublime naquilo que resta. Na sua opinião, a larga escala provoca a artificialidade, a separação e a quebra que procura. Através das suas palavras percebe-se que é a própria grandeza de um projeto que se torna o antídoto contra a fragmentação. Cada uma dessas entidades gigantes poderá adquirir a pretensão de uma realidade completamente envolvente, com uma autonomia e liberdade absoluta - são universos únicos que podem até resistir a coexistir.
‘But nevertheless it is extremely exciting, after the kind of unbearable and completely melancholic targets of the european urbanism of the 70s and 80s, to introduce those kind of formulas. In the urban models, to explore an urbanism that is based on disassociation, disconnection, and complementarity, contrast, rupture,… I find interesting to understand the city no longer has a tissue, but more as a ‘mere’ coexistence, a series of relationships between objects that are almost never articulated and visual or formal ways no longer ‘caught’ in architectural connections.’, Rem Koolhaas, 2005
Na opinião de Rem Koolhaas, é preciso entender que a cidade contemporânea é desconexa e que vive da interrupção permanente. Vivemos entre extremos, entre contentores gigantes e objetos pequenos dispersos e disformes. As cidades estão cada vez mais iguais - cada vez mais se está a passar do específico para o genérico. Na opinião de Koolhaas, a paisagem natural poderá ter um papel muito poderoso e a arquitetura um papel libertador, ao serem a apoteose do único e do específico que não visa o universal.
‘We are seduced; we feel simultaneous glee and horror (…) how so many mediocre buildings together can generate a fantastic architectural spectacle? Or, how can so much ‘badness’ sometimes lead to a kind of intelligence? It is not complacency but fascination, and in fascination there is always an element of surrender.’, Rem Koolhaas, 2005
Ora, a ambiguidade do discurso de Rem Koolhaas pode levar a uma certa resignação estratégica mas pode sobretudo levar a aceitar mais facilmente o que existe, a trabalhar com o incómodo, com o imprevisto, com o que não tem controlo e com o que não é planeado. E por isso o arquiteto ao não ter dogmas, programas, ambições ou manifestos poderá estar mais preparado para concretizar sistemas especulativos que ponham a realidade a descoberto e que desencadeiem novas lógicas e novas soluções.
Ana Ruepp