CRÓNICAS PLURICULTURAIS
126. PELA NÃO-BANALIDADE DO MAL E DO BEM
Sendo por natureza o mal radical, não pode ao mesmo tempo ser banal. Classificar o mal como banal é perigoso, podendo dar a ideia de ser algo sem gravidade. Uma suposta banalidade do mal normaliza-o, havendo que o não vulgarizar, em paralelo com a não-banalidade do bem que também não pode ser banal, porque, de igual modo, radical.
Tal conclusão, em jeito de síntese, vem a propósito da controvérsia gerada (que perdura) aquando da exibição do filme Hannah Arendt, de Margarethe Von Trotta, ao remeter para uma presumível atuação “banal” de Adolf Eichmann (AE) que, quando julgado, se defendeu alegando que se limitou a cumprir ordens sem saber ou sentir que agia mal, o que, numa perspetiva crítica, nos leva a concluir que os crimes contra a humanidade são obra de milhares ou milhões de seres humanos “normais” ou “vulgares”, com a cumplicidade de outros, num ambiente de generalizada indiferença, em que o acusado era um mero burocrata ou peça de toda a engrenagem conducente do Holocausto (argumento da obediência burocrática).
O que é mais surpreendente ao sabermos que AE provou, em julgamento, ter conhecimento do imperativo categórico de Kant, tido como necessário, incondicional e não subordinado a nenhum fim, porquanto a imperfeição da vontade humana exige um princípio objetivo obrigante, expresso do seguinte modo: “Age apenas segundo aquela máxima que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.
A questão da “banalidade do mal”, fulcral no filme, é polémica, pois sendo o mal radical não pode ser banal, por remeter para interrogações não resolvidas sobre a capacidade e a liberdade de pensar, de julgar, de distinguir entre o bem e o mal, sendo tal expressão pedagogicamente infeliz, indesejável e insegura, colocando os verdadeiros criminosos e cúmplices numa situação aconchegante de “impossível escolha”.
Tanto mais que se tratava de um mal banal não comum, causa de uma nova tipicidade criminal e legal, os crimes contra a humanidade.
Também não se pode falar em banalidade do bem, porque também per si radical, por confronto com a constatação de que no tempo nazi, em que viveu AE, houve quem não aceitasse ser um Eichmann, o que nos remete para a capacidade e liberdade de pensar e julgar, entre o bem e o mal, em tempos sombrios e de escuridão.
18.11.22
Joaquim M. M. Patrício