A FORÇA DO ATO CRIADOR
A precariedade espacial do centro comercial domina a condição urbana contemporânea.
Em 1999, na conferência ‘The Impact of shopping on the Urban Condition’ Rem Koolhaas, na Architectural Association, dá a entender que a precariedade espacial do centro comercial domina a condição urbana contemporânea.
Na opinião de Koolhaas, comprar é a derradeira atividade do ser humano e corresponde a uma fase final do processo de modernidade. O ato de comprar e consumir muda parâmetros espaciais, cria uma supersaturação irreversível e corrói tudo o que se relaciona com ideias de civilização e de progresso. Para Koolhas, foi Jane Jacobs - que ao identificar aspetos da vida urbana que considerava significativos - redescobriu a rua como sendo o único lugar onde se pode encontrar verdadeira diversidade e implementou uma urbanidade que incorporava inerentemente as capacidades de consumir em permanência.
É através do marketing e da psicologia que se define o espaço urbano atual. O ato de comprar faz com que a cidade se defina como um grande parque temático de gratificação individual imediata, permanente continuidade e constante interação entre as outras diversas atividades.
A cidade que vive só do consumo está em constante processo de erosão. Vive dos desejos de controlo e previsibilidade dos seus consumidores e transforma-se numa marca que é explorada ininterruptamente. Koolhaas explica, por exemplo, que Singapura abandonou o modelo de cidade e substituiu-o pelo modelo de um centro comercial. Este modelo é propositadamente não é estável, não fixo e não constante e por isso mesmo baseia-se numa imprecisão e numa neblina sem forma. Singapura transformou assim o seu plano urbano numa coleção de palavras e conceitos, em vez de uma coleção de formas.
Também Koolhaas esclarece que, Las Vegas, segundo Venturi, é o sistema do centro comercial que prevalece sobre uma circunstância urbana sem forma e sem configuração. Não é arquitetura de que se trata mas de uma ecologia - uma nova condição de completa artificialidade, inteiramente interna e iconograficamente ininteligível.
Para Koolhaas, o sistema comercial é uma ecologia, isto é, um sistema que estuda as relações intrínsecas dos seres com o seu meio. E o comportamento das formas dedicadas somente ao consumo tem sempre um núcleo com tentáculos que enriquecem o seu perímetro e que o tornam mais recetivo à interação. Este sistema tem um efeito denominado replascape, que consiste na interseção entre o design e a paisagem e cria automaticamente uma natureza interior falsa. São talvez estas leis da ecologia que, segundo Koolhaas, expliquem as formas excêntricas e hiperformalistas da nova condição urbana.
Desta nova condição urbana, baseada nas formas do consumo, resulta um novo tipo de espaço que Koolhaas chama de junk space. Para Koolhaas, junk space é aquilo que resta após a modernidade ter feito seu curso. Junk space é o lixo tóxico da modernidade. Junk space parece um rearranjo de uma condição espacial pré-ordenada. Pensa-se que seja uma aberração, mas, na verdade é a essência da condição contemporânea e da cultura do descartável. Junk space é intrincado e ambicioso, é incompreensível e imemorável, é overdose e ao mesmo tempo fragilidade que o torna impossível de ser descrito como espaço.
Para Koolhaas, Junk space é assim um novo modelo que existe não só além da geometria, mas além do padrão. Não pode ser compreendido, nem pode ser relembrado. Recusa-se a congelar, é amnésia contínua e é conversão permanente. Junk space é tão débil e inconstante que obriga a abandonar qualquer expectativa de estabilidade. A condição do junk space é sempre provisória, em permanente estado de se tornar e em constante movimento. Na regra clássica a materialidade era baseada numa condição definitiva, que só poderia ser modificada através da destruição parcial ou total. Junk space é sempre provisório e sempre pronto a ser consumido - esta condição é a norma e dita a sua materialização. Matéria e componentes agora são escolhidas pela sua maior capacidade de mutabilidade, flexibilidade, rompimento e maleabilidade.
Sendo assim, a essência do espaço atual é profundamente alterada por causa do excesso de consumo, e por consequência todo o modo de pensar arquitetura é moldado por esta condição.
Ana Ruepp