A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
LXXXIX - IN MEMORIAM DE GAL COSTA
Em Veneza, uma guia italiana, num português gostoso de ouvir, falava fluentemente, quase sem mácula.
Curioso, interpelei-a para saber onde aprendera e porquê. Foi em Itália, respondeu, por amor à música brasileira, que sempre amou, acrescentou.
Invocou, de seguida, as vozes e as canções de Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Maria Bethânia, Gilberto Gil, João Gilberto, Elis Regina, bem como Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Toquinho. Quanto a Gal, elogiou “Aquarela do Brasil “, “Gabriela”. E “Sonho Meu” (com Bethânia).
Pressentia uma necessidade vital de aprender a língua portuguesa.
Queria comungar, em pleno, aquela música apelativa, melodiosa e sensual, que tanto sentia e, ao mesmo tempo, compreender o que era dito e cantado em português.
A sua intuição premonitória concretizou-se e sentia-se feliz.
O que se fortaleceu por saber um novo idioma que lhe possibilitava ser guia para falantes de língua portuguesa, em especial portugueses e brasileiros.
Anos antes, na Polónia, outra guia (polaca) aludira à música popular brasileira e à bossa nova para aprender português, onde incluiu Gal Costa.
Pequenas grandes coisas que nos ficam retidas na memória e nunca esquecem.
Com a morte de Gal (em 09.11.22), esta lembrança, guardada em arquivo, desfraldou-se e flutuou, exaltando e celebrando em gratidão o que fez pela língua portuguesa no mundo, contribuindo para o seu conhecimento e reconhecimento como idioma de cultura, pluricultural e global.
Entre nós, há mais de 40 anos, foi um sucesso, que permanece, “Modinha para Gabriela”, que cantou para a telenovela brasileira, “Gabriela, Cravo e Canela”, numa adaptação de um romance de Jorge Amado.
Sendo o seu nome de batismo Maria da Graça Costa Penna Burgos, houve discussão quanto ao seu nome artístico. Eis como se expressa Caetano Veloso:
“Desde Salvador, escrevíamos Maria da Graça nos cartazes e nos programas dos shows (…) e a chamávamos de Gracinha no dia-a-dia e, carinhosamente, de Gau. Havia e há milhares de Gaus na Bahia: é o apelido carinhoso de todas as Marias da Graça ou das Graça de lá. (…) Maria da Graça era apenas o (…) nome artístico (…). Na intimidade, nós a chamávamos de Gau.
À data, Guilherme Araújo, empresário e produtor de espetáculos, “(…) achava Maria da Graça inviável como nome de cantora. (…) era belo e nobre, mas sugeria uma antiga intérprete de fados portugueses, não poderia servir para uma cantora moderna, muito menos (…) para uma nova rainha do iê-iê-iê. Ele gostava de Gau. Nós também. (…) Mas havia dois problemas: (…) achava vulgar e “pobre” artista de nome único (para ele era indispensável um sobrenome (…) e Gau, (…), com u, parecia-lhe pesado e pouco feminino. Como em todo o Brasil Gal e Gau têm pronúncia idêntica, achámos praticamente indiferente que a grafia fosse a escolhida por ele (que se referia a uma cantora francesa chamada Francis Gal como exemplo) (…) Gal Penna? Gal Burgos? Guilherme, não sem razão, preferiu Gal Costa. Este era mais eufónico do que os outros dois. (…) eu não gostei. Gal, simplesmente, era a melhor solução. (…) Mas a própria Gal, de quem afinal devia ser a última palavra, aceitou o nome e ele funcionou muito bem com a imagem pop que se criou para ela” (Caetano Veloso, Verdade Tropical).
Ficou Gal Costa, uma baiana que veio da fábrica de talentos da Bahia pra cantar, contar, sambar, valer, morrer de alegria, na festa de rua, no samba de roda, na noite de lua, no canto do mar.
E há a canção “Meu nome é Gal”, onde reiteradamente o declara.
Uma confissão, não assumida, de ser “Gal, simplesmente”, como era querer do seu admirador e amigo Caetano?
Agradecido, Gal!
09.12.22
Joaquim M. M. Patrício