A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XC - APENAS UM NOBEL DE LITERATURA EM PORTUGUÊS
Criado há mais de cem anos (1901), o prémio Nobel de Literatura só foi atribuído a um escritor de língua portuguesa, ao português José Saramago, em 1998.
O Brasil, país independente há 200 anos, não foi, até hoje, contemplado, o mesmo sucedendo com escritores africanos (ou timorenses) de países de língua oficial portuguesa.
O que contrasta com 33 prémios de escritores de língua inglesa (entre os quais 12 do Estados Unidos, 11 do Reino Unido, 4 da Irlanda, 2 da Austrália e 1 do Canadá), 16 de autores em língua francesa, 14 em alemão (2 da Áustria), 12 em espanhol (2 do Chile, 1 da Colômbia, Guatemala, México e Perú, além dos de Espanha), 7 em sueco, 6 em italiano e russo, 2 em dinamarquês e norueguês, 2 em grego e japonês.
Sendo o nosso idioma transcontinental, transoceânico, cultural, pluricultural, pluricêntrico, de exportação, internacional e global, o mais falado do hemisfério sul, o terceiro do ocidente, quinto na internet, quinto ou sexto a nível mundial, com mais falantes que o francês, alemão, italiano, russo e japonês, é legítimo perguntar se será pela inexistência de autores potencialmente nobelizáveis que escrevem em português, sendo a resposta negativa.
A possibilidade de premiar a terceira língua do ocidente e uma das mundialmente mais faladas, foi abordada várias vezes antes de ser galardoado Saramago. Teixeira de Pascoaes, Miguel Torga, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, António Lobo Antunes, também constaram da lista. Consta que Torga teria sido premiado, se não já falecido, apesar da quase ausência de livros seus traduzidos para sueco, sendo levantada a hipótese de subsidiar a sua obra, suprindo tal défice.
O que nos interpela para indagar do porquê de apenas um autor e escritor em língua portuguesa ter sido premiado, num universo de quase 300 milhões de falantes.
Para além da carência de escritores lusófonos traduzidos para sueco (principal língua escandinava, sendo a Suécia patrocinadora da entrega do Nobel de Literatura), também é indispensável, nos dias de hoje, a tradução no idioma global por excelência, ou seja, o inglês, deficiências atempadamente supridas por Saramago.
Quanto à visão eurocêntrica do mundo, subjacente à entrega do prémio, justificativa da falha de escritores lusófonos premiados, nomeadamente brasileiros, não se intui ser decisiva, dado que da lista dos nobelizados há um número significativo de todo o continente americano, que inclui o Canadá, Estados Unidos e toda a América Latina, continuadores e descendentes da Velha Europa, sem esquecer a Austrália e países como o Japão, segundo um critério estratégico do chamado Ocidente.
Por que não, por exemplo, subsidiar, se necessário, a tradução para inglês e sueco, entre outros idiomas, de autores laureados com o prémio Camões, da mesma natureza ou prestígio?
O que nos questiona sobre uma estratégia para a cultura, tendo como ideal, a este nível, uma parceria com os países de língua portuguesa, em que instituições como o Instituto Camões, Fundação Biblioteca Nacional do Brasil, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, incluindo entes privados como a Fundação Gulbenkian, tenham uma voz ativa, com um empenho de todas as partes, sem complexos ideológicos e políticos, em prol de um reconhecimento mais adequado, proporcional e razoável, até agora injustamente não alcançado.
16.12.22
Joaquim M. M. Patrício