CRÓNICA DA CULTURA
NATAL
As paredes eram de pedras sobre pedras que já mal se aparelhavam, e por entre elas, as frinchas largas, sem qualquer argamassa, permitiam que entrasse luz e frio, naquele dezembro de rigor. O telhado de ardosias partidas mal continha as águas do céu. Dentro e por cima do chão de terra pisada, os acrescentos de bosta e palha e erva entrançavam coroas que formavam cama de escasso recurso, e os restolhos e os restos não úteis de algo cardado, tudo emaranhado, arredondavam-se em jeito de um cesto muito aberto e amplo, que se oferecia daquele modo que mais não pode.
Ali o universo do asno e das vacas na exemplaridade da lição quando só o silêncio é certo.
Ali a experiência de cada um.
Ali o lugar de um pão maior.
Descalça, Antunes entrou, entrou, fechando de arrasto a velha porta atras de si. E entrou, sabendo que Manuel lá a aguardava, também descalço, de traje sujo da labuta, mas ambos conhecendo a verdade da hora venturosa, conhecendo o destino de cada um nas mãos do outro.
Deitaram-se, deitaram-se, parecendo-lhes que eram os primeiros do mundo a chegar àquela felicidade, e logo se confiaram.
Beijos, abraços, sussurros e outras bênçãos, tudo um merecimento de quem entende o início, e logo as roupas foram afastadas dos corpos, enquanto ali tudo era terra à terra, e a barriga logo cresceria numa vontade de brilho assombroso seguro nos olhos do casal.
A malga de água, mal fora trocada e os lábios já mordiam o rebordo.
A hora, era a da hora da dor boa.
O pensamento alegrava-se com o mistério seguro pelo grosso novelo umbilical.
A estrela, veterana destes aconteceres, quiçá voltou pelo mesmo caminho, anunciando que na manjedoura um outro primeiro choro.
Natal.
Teresa Bracinha Vieira