CRÓNICAS PLURICULTURAIS
129. O PRAZER DE LER E TER LIVROS
A morte do livro foi anunciada com o digital, às mãos do e-book.
Enganaram-se. O livro persiste, o que é bom, uma boa notícia.
Ler livros não é um mero prazer estético.
Também é um prazer tátil único. Entre outros prazeres…
Tem as vantagens do analógico sobre o digital, pode ser dobrado, guardado no bolso, na mala, na pasta, leva-se para qualquer lugar, não consome energia elétrica, é mais funcional e pessoal de anotar, sublinhar, pode ser lido e relido a todo o tempo à luz do dia, da vela e do candeeiro de tempos idos, à luz artificial atual, adaptando-se à nossa dimensão física e humana e ao tempo e espaço de cada época.
Há um milhão de leituras se um livro for lido por um milhão de pessoas diferentes.
Ler é ser livre, com a nossa imaginação e memória navegando, sonhando e voando.
Os livros não envelhecem, são firmes e leais, são amigos úteis, o que dizem hoje, dirão amanhã, daqui a anos ou séculos.
O hábito de ler e ver, dia a dia ou amiudadas vezes um livro, faz com que acabemos por lhe ter amizade. À força de se nos tornarem familiares, os livros acabam por se tornar nossos amigos, em que um instintivo e estranho animismo nos leva, por vezes, quase a atribuir alma às coisas inanimadas.
Há livros que são transformadores, contagiantes, podendo salvar-nos ou marcar o nosso destino, que nos fazem leitores, provocando uma sensação gratificante de não estarmos sós, amigos inalteráveis e constantes na saúde ou na doença, no trabalho ou no ócio, uma companhia com o seu não ruído em silêncio.
Estimulam a aquisição de conhecimento, o aumento e enriquecimento de vocabulário, o perguntar, interrogar, questionar, uma imaginação e um sonho que nos liberta, um escape, uma fuga, uma compensação.
Quem lê e ama os livros tem espaço e mentalidade para pensar, refletir, questionar, para nos transcendermos, ter asas para voar, ir mais além daquilo que é tido como básico, diário, quotidiano, afastando a lassidão e a rotina, mesmo que esta seja vital para o nosso conforto.
Sem esquecer o arrumar da biblioteca pessoal que conta a história das nossas vidas, o enriquecimento da associação livre de grupos de leitura, as edições de autor e a partilha do seu testemunho, uma liberdade de escolha e de leitura que não nos limita, desde os livros que devoramos, saltamos páginas ou paramos de ler.
E há os amorosos do livro para os quais é uma coisa imprescindível à vida, tendo-o como parte de si mesmos.
Porém, os não amorosos e indiferentes excluem-no de fotos e vídeos para compra e venda de casas endinheiradas exemplificando-o, quase sempre, o sua não visualização nas respetivas buscas via internet, como sinal de declínio, e não prestígio, dominando o culto do dinheiro, ao invés do saber acumulado por milhares de anos de leitura.
Há quem só navegue na net para os ler, quem se recuse, ou faça ambas as coisas, sendo bom saber que o livro sobrevive ao digital, nem sempre este sendo o ideal, pois sendo nós analógicos (não biónicos ou digitais) aquele agarra mais de perto os nossos sentidos que se manifestam em sentimentos e hábitos não substituíveis pelo e-book.
Se perdurou, no decurso de séculos, a ditaduras que inúmeras vezes o tiveram como transgressor e perigoso, espera-se que também resista à digitalização progressiva e seus inconvenientes de fiscalização automática, sendo mais durável e menos sujeito, até agora, a danos físicos do que os dispositivos ou materiais eletrónicos de acessibilidade mais remota.
23.12.22
Joaquim M. M. Patrício