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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS


131. SONHAR E TRANSCENDERMO-NOS


“Triste de quem vive em casa,       
Contente com o seu lar, 
Sem que um sonho, no erguer de asa,   
Faça até mais rubra a brasa     
Da lareira a abandonar!


Triste de quem é feliz!     
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz   
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura.”


(Mensagem, Fernando Pessoa)


Estes versos pessoanos têm uma dimensão e interpretação pluricultural e transversal que transcende a mensagem específica a que aludem (“O Quinto Império”), chamando-nos a atenção para a futilidade de uma vida homogénea horizontal, sem razão de existir que não seja a do dia a dia.   


O sonho é um meio de nos transcendermos, ter asas para voar, ir mais além do que é elementar e trivial para sobreviver, afastando a rotina, o aborrecimento, o tédio, mesmo se vitais para a nossa segurança.   


Sem espírito de missão, de transcendência e espiritualidade, a nossa passagem terrena está incompleta, caindo-se na mediocridade da mera subsistência, sendo insuficiente deixar aconchegados os filhos, casando-os bem, com casa, seguro, automóvel, termos descendentes e, depois, vem a senhora dona morte e … morremos! 


Para Pessoa, foi o saber sonhar, o espírito de missão e de aventura que nos fez voar e transcender, que nos levou a todo o mundo, ficando desses tempos idos uma língua global, património comum da humanidade, tantas vezes por opção voluntária de quem a fala e a tem como imperialista e neocolonialista.


Será que sonhar e transcendermo-nos é só para alguns? E em certas épocas?


Pode ser para todos, em qualquer época, pois se o sonho comanda a vida, é uma maneira de nos transcendermos, materializando-o e procurando-o em vários interesses, pela criatividade, descendência, vontade, persistência e eternizando-o, por exemplo, pela escrita, pelas artes, ciência, tecnologia, digitalização e testemunhos perenes, como modo de lutar contra a angústia de se ser mortal superando-a e concretizando na Terra um ideal abstrato e pensado que esvoaça e se sustem imaterialmente.    


13.01.23
Joaquim M. M. Patrício