A FORÇA DO ATO CRIADOR
O Festspielhaus, em Hellerau, é o laboratório de uma nova humanidade.
O teatro Festspielhaus (1911) que Heinrich Tessenow (1876-1950) projetou, na cidade jardim de Hellerau, é a materialização viva de um espaço que consagra o encontro do corpo com o espírito.
O Festspielhaus em muito contribuiu para estabelecer o movimento alemão da reforma da vida, naquele pequeno lugar urbano. Ao ser o centro de Hellerau (a rua principal atravessa a praça que se abre em frente à fachada do teatro) e ao combinar harmoniosamente a natureza, o trabalho e a arte, é uma crítica concreta e aberta em relação à crescente industrialização, ao materialismo e à urbanização massiva.
O desenho de Tessenow desejava encontrar a ligação entre o templo e a casa, através da forma clássica e vernacular simplificada onde a geometria e a proporção têm mais importância do que o detalhe.
Alan Colquhoun no livro ‘La Arquitectura Moderna una Historia Desapasionada’ explica que uma das principais preocupações de Tessenow era a vivenda coletiva e o problema da repetição. Tessenow teve oportunidade de estudar e testar esta e outras questões em conjunto com outros arquitetos tais como Behrens, Riemerschmid e Muthesius no projeto das casas desenvolvidas em Hellerau. Estes arquitetos foram influenciados por modelos urbanos medievais, de espaços irregulares, estreitos e encerrados, defendidos por Camillo Sitte. Os projetos residenciais de Tessenow apoiavam-se na teoria que idealizava a pequena burguesia como a base da ordem social alemã e, por isso, este arquiteto imaginava e ansiava por pequenas cidades (de 20,000 a 60,000 habitantes) que viviam de pequenas indústrias artesanais (com não mais de 10 artesãos por oficina). A rejeição da civilização altamente industrializada, era muito próxima das ideias de John Ruskin, mas Tessenow mantinha uma preferência pelas formas clássicas.
Tessenow, ao projetar o principal edifício de Hellerau, optou por desenhar um auditório alto, retangular, despojado e colunado, que contrasta com as alas laterais de aspeto mais vernacular. A inclinação do frontão bastante acentuada, segundo Colquhoun, ilustra a intenção de Tessenow em fundir os protótipos alemão e latino. (Colquhoun 2005, 63)
Na opinião de Colquhoun, esta obra de Tessenow revela uma singular qualidade de abstração e pureza formal que anuncia a obra de Mies van der Rohe e que corresponde ao espírito grego das cenografias unitárias de Adolphe Appia e ao ensino da música baseado no movimento corporal expressivo e improvisado de Émile Jaques-Dalcroze.
O Festspielhaus, além do teatro e dos edifícios residenciais para professores e alunos, inclui também espaços abertos de luz e de sol ao seu redor. No seu interior a ausência de palco e de cortina faz com que os espectadores e os artistas se fundam numa só unidade de corpo e de alma A orquestra encontra-se num fosso subterrâneo completamente escondido dos olhos do público e que poderia ser fechado se necessário. As encenações de Adolphe Appia no Festspielhaus puderam, a partir de então, finalmente ficar unificadas através do controlo da intensidade da luz, dos movimentos dinâmicos e tridimensionais dos actores em palco e dos cenários perpendiculares e profundos.
Em Hellerau celebrava-se a arte como meio para educar e esta era tida como uma exigência social do seu tempo. É através do movimento que se entende o mundo e o espaço flexível, retangular e neutro concebido por Tessenow tem a capacidade de incluir os ritmos orgânicos, imprevistos, não controlados e inesperados do corpo que pretendia desafiar a nova sociedade industrial.
O Festspielhaus é o laboratório de uma nova humanidade onde os opostos se complementam e os conflitos se dissolvem. Aqui as pessoas, através do improviso dançam por um mundo melhor. O movimento do corpo apresentava-se então como a alternativa possível para recuperar o poder do orgânico. O projeto de Tessenow é, deste modo, a charneira entre o urbano e a natureza, entre a geometria e o espontâneo, entre a unidade e a separação, entre o estático e o móvel.
No centro do frontão ao estar esculpido o símbolo yin e yang consegue-se entender que a dualidade existente em todo o universo é a força subjacente deste teatro em forma de templo. O Festspielhaus é assim uma afirmação de que nada deve existir em estado puro, nem em absoluta quietude. Tudo deve, portanto, estar em constante movimento e em contínua transformação, através do corpo que se exprime livremente.
Appia chamou por isso ao Festspielhaus a catedral do futuro, porque a atenção total sobre a pessoa humana que se move e que tudo abrange ao desenvolver as suas habilidades rítmicas, poderá ter o impulso necessário para propagar a ideia de uma vida mais natural, holística e ecológica. E em Hellerau, sem dúvida iniciou-se uma renovação expressiva fundamental, do corpo e do espírito, mas que com a eclosão da Primeira Grande Guerra terminou abruptamente.
Ana Ruepp