CRÓNICA DA CULTURA
Os olhos também servem para tocar
O silêncio, se lhe dermos o tempo, pode sim, ser tocado também pelos olhos.
Existem nas verdades primeiras o poder tocar e entender o silêncio aprendido pelos olhos.
Silêncio e olhos atravessam muralhas como quem a esse saber chegou com os pais, e outros mundos mais velhos, como o mundo substantivo do pão.
Muitas vezes usamos os olhos como se bastassem para fazer perguntas, e até bastam, de tal maneira que substituem palavras do lado de dentro do nós: as palavras que perguntam e as que respondem.
O silêncio é uma ferramenta terapêutica à qual deveríamos dar mais uso, já que nos permite ouvir e ver os outros com mais atenção e delicadeza.
Também redefinimos prioridades com o nosso olhar para o ajustar ao que importa.
Os olhos acomodam pensamentos e estes ao silêncio dão tempo para compreender Debussy, quando o explica como aquilo que está contido entre uma nota e outra.
Steiner referia-se à arte de fazer silêncio dentro do silêncio, redescobrindo um tempo mensageiro que só o olhar segurava, um tempo carteiro mesmo, como até já afirmara Baudelaire, para quem só os olhos do silêncio, conheciam a primeira dimensão reveladora.
O mar dos olhos de Sophia ou o silêncio dos olhos de Machado de Assis, constituem encontros decisivos, abraços únicos que nos dotam de uma fecúndia tal, que em nós se sonha o que vamos sonhando na verdade.
Os olhos, os olhos também servem para tocar, e é certo que lhes pedimos beijos, muitos mesmo, e quase de certeza castos, na conceção do puzzle.
Teresa Bracinha Vieira