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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


High Sunderland é mais do que uma casa, é uma forma de viver. 


Uma casa é de uma pessoa, mas para que uma pessoa consiga fazer parte integral de uma casa é preciso que exista uma ligação e um entendimento intrínseco e visceral de tudo o que rodeia e pertence a um determinado espaço e lugar. Shelley Klein no livro The See-Through House. My Father in Full Colour escreve que High Sunderland está mapeada no seu sangue e que intuitivamente consegue reconhecer cada espaço, canto, luz e textura desta casa. 


Situada no sul de Galashiels na Escócia, High Sunderland foi desenhada, em 1958, pelo arquiteto Peter Womersley (1923-1993) para o designer têxtil Bernat Klein (1922-2014). 


Ao estudar em Jerusalém, nos anos 1940, o jovem sérvio Bernat Klein, contactou pela primeira vez com as ideias da arquitetura do movimento moderno e da Bauhaus (foi a Bauhaus que iniciou uma produção criativa que acreditava no ato de construir como sendo a amálgama de todas as artes e por isso as formas resultantes afirmavam a geometria abstrata, a pureza da luz, a verdade dos materiais e a sensorialidade das texturas). Ao mudar-se e fixar-se na região escocesa das Scottish Borders, estas ideias modernas de Bernat Klein aproximaram-no do arquiteto Peter Womersley.


A linguagem, usada por Peter Womersley nos projetos de pequena escala, foi, por sua vez, muito influenciada pela arquitetura cada vez mais vernacular de Le Corbusier (que a partir dos anos 1930, começou a interessar-se por formas mais tradicionais e pelo equilíbrio entre as pessoas, as formas construídas e a paisagem); pela arquitetura moderna americana (nomeadamente pela Fallingwater (1935) de Frank Lloyd Wright mas também pelas casas desenhadas no âmbito do programa ‘The Case Study House’ lançado pela revista californiana Arts and Architecture); e finalmente pela novíssima arquitetura brutalista afirmada por Alison and Peter Smithson na escola de Hunstanton (1949-54). Womersley trabalhou durante um período em que o movimento moderno, cada vez mais aceite e conhecido por muitos, foi sendo cada vez mais absorvido e explorado localmente de modo a entrar numa polaridade claramente definida com o natural e com o orgânico. (Curtis 2005, 320)


É preciso fazer notar, que a influência da arquitetura do movimento moderno só se começou a sentir no Reino Unido a partir de meados de 1930 - este fenómeno coincidiu com a imigração de muitos arquitetos e artistas vindos da Alemanha, onde a arquitetura moderna começava a ser reprimida. 


High Sunderland é mais do que uma casa, é uma forma de viver. Pertencer, fez parte de uma ideia moderna renovada que se preocupava não em criar uma casa para um ser genérico mas para uma pessoa particular e para um lugar específico e por isso preconizava uma solução única e irrepetível.


High Sunderland ao ser uma caixa térrea envidraçada, está constantemente cercada e envolvida pelas texturas e pelas cores mutáveis da paisagem. Os panos de vidro levaram a habitação a ser apelidada de See-Through House. E a singularidade desta casa, está precisamente no facto dos vãos envidraçados serem separados horizontalmente por faixas brancas e verticalmente por painéis de madeira Makore (a madeira funciona como um eco de todas as árvores que rodeiam a casa). 


Womersley combina assim, a estrutura rígida e geométrica do aço branco, muito característica da máquina de habitar, com a introdução de uma variedade de materiais e de cores - através do uso da madeira, da pedra, dos tecidos de Bernat Klein e da densa vegetação. Na verdade, os primeiros esboços para High Sunderland não incluíam panos de madeira mas favoreciam o uso de pedra local - porém a escolha da pedra provou encarecer demasiado o projeto.


O uso do espaço aberto interno foi maximizado e simplificado através da eliminação de desnecessários corredores e paredes. Existia uma intenção em acentuar a flexibilidade modular da planta livre pelo uso de painéis, que tinham como objetivo permitir futuras modificações ou extensões. Separam-se então, através de painéis de madeira ou envidraçados, áreas para estar, trabalhar, dormir, comer, brincar, cozinhar e lavar, como se de volumes dentro de um grande volume se tratasse. A sala principal tem o piso rebaixado - o que permitia a Bernat Klein realizar neste espaço desfiles de moda para a sua empresa de têxteis. Grande parte da mobília foi feita por medida, com o propósito de servir a casa. A parede de mosaicos e todos os tecidos foram pensados por Bernat e Margaret Klein.


A casa, deste modo, permite um envolvimento total com o que existe à volta. Qualquer pessoa que aí viva, confunde-se com a paisagem e fará sempre parte daquele lugar. High Sunderland consente esta mistura e aproximação, concede ser o reflexo das árvores e abre-se à flexibilidade das tarefas mais banais.


‘A plain-sided glass box sitting on a hill could easily seem frail or banal; (however) the contrasts of solid and void, varnished boarding and full glazing, within the white frame, give the house strength and character.’, Michael Webb (Klein 2020, 24) 


Ana Ruepp