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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


Os subúrbios nos filmes de Eric Rohmer são centrais e não marginais.


“His female characters are fulfilled not in the alienating city centre, where they feel absolutely alone (in exile…), but in the interstices - at the beach (Le Rayon Vert) or in the suburbs (L’Ami de mon Amie).” (Handyside 2009, 217)


No texto “The Margins Don’t Have to Be Marginal: The banlieue in the Films of Éric Rohmer.”, Fiona Handyside explica que, na série Comédias e Provérbios de Eric Rohmer, a periferia pode ser lida como sendo a representação máxima da fluidez da modernidade, da auto-referência, da transição constante e do movimento que não pára. 


Segundo Handyside, Blanche no filme L’Ami de mon Amie nunca encontrará permanência nem solidez em Cergy-Pontoise, porque esta cidade satélite foi pensada, precisamente, para estar ao serviço de uma sociedade que depende constantemente da rapidez, da mudança e do derivar contínuo. Para Handyside, Cergy simboliza, não a cidade utópica ou ideal, mas a cidade real e periférica concebida para uma sociedade pronta a deslocar-se para onde for, sempre que é preciso. 


Porém, Cergy-Pontoise, no filme de Rohmer, é também metáfora para ser lugar de liberdade, de relações temporárias, de emancipação e de tempos livres. Em L’Ami de mon Amie, aparece como sendo um lugar de veraneio para pessoas reais. Rohmer documenta neste filme, as classes trabalhadoras parisienses, a aproveitar as oportunidades de lazer oferecidas por este subúrbio. Handyside explica que a maioria das imagens mediáticas dos subúrbios descrevem lugares horríveis e tristes, por isso não é de estranhar que Blanche se surpreenda ao encontrar famílias inteiras à beira do rio, tal qual como numa pintura de Seurat, a aproveitar o sol e o exterior. 


Para Handyside, aos olhos de Rohmer, Cergy-Pontoise é a verdadeira reunião da cidade e do campo: “Cergy-Pontoise is posited by Rohmer not as a place of absolute difference from the city or the country, but as somewhere that has absorbed and incorporated elements of both.” (Handyside 2009, 218)


Nos filmes de Rohmer a margem é central e a vida no centro pode significar o exílio. Na opinião de Handyside, em vez de ser um grande fracasso social, os subúrbios em Rohmer, são centrais e não marginais ao funcionamento da sociedade, porque são entendidos como uma resposta dos cidadãos ao mundo da modernidade tardia - fragmentado e cheio de identidades e culturas concorrentes e contrastantes. As personagens dos filmes de Rohmer, têm personalidades ambíguas, reflexivas e múltiplas e escolhem viver nos subúrbios (ou melhor fora do centro de Paris) não por necessidade mas por vontade: “Cergy-Pontoise provides its citizens with bright, clean apartments, a variety of leisure activities, well-paid and interesting work, the opportunities to meet people and make friends…” (Handyside 2009, 219)


Deste modo, esta imagem de privilégio paradoxal da margem, representado no cinema de Rohmer, tem uma repercussão e um efeito revigorante nas diferentes experiências e ideias que se tem do espaço urbano e tem, acima de tudo, o poder de deslocar a noção de que apenas no centro da cidade se pode encontrar a felicidade.


Ana Ruepp