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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIV - POLÉMICAS LINGUÍSTICAS


1. Steven Roger Fisher diz que no futuro o português desaparecerá e será substituído pelo portunhol, argumentando que os falantes de espanhol, que rodeiam geograficamente o Brasil, irão usar dizeres do nosso idioma na variante brasileira, embora sustente que há diferenças significativas entre o português de Portugal e Brasil, que indiciam a sua separação, se essa tendência crescer, ao invés de uma aproximação do inglês americano e europeu, dada a crescente influência dos Estados Unidos através de filmes, música, cultura em geral, programas radiofónicos, televisivos, de streaming, informática e novas tecnologias. 


Para Ivo de Castro: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos de uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”.   


Qualquer idioma é uma realidade viva, surpreendente e geradora de soluções hipotéticas, não sendo os portugueses europeus a definir, no futuro, o percurso sobreveniente e imprevisível do português, dado serem os herdeiros, sucessores ou continuadores da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos vindouros, como está sucedendo.   


Se assim é e o futuro também depende de uma evolução gradual e profunda, sendo o português uma língua aberta, cosmopolita, flexível, integradora e transigente, é de questionar se faz sentido o seu desaparecimento ou substituição, segundo Fisher, ou mesmo o afastamento estrutural e irreversível da norma portuguesa e brasileira, que tornam ociosa qualquer tentativa de intervenção.    


2. O tema é polémico, mas também há argumentos que contrariam tais perspetivas.


Se tudo fosse tão simplista, o português europeu de Portugal já tinha desaparecido e sido substituído pelo espanhol, tendo presente que há centenas de anos a Espanha é o único país com que temos fronteira terrestre, que entre 1580 e 1640 correu o risco de ser absorvido pelo castelhano ou ser um idioma ibérico menor sendo, hoje, um dos mais globais e falados internacionalmente.


Corroborado por Portugal ser um Estado unitário e uma só nação, por antagonismo com uma Espanha não homogénea, de várias nações e realidades linguísticas diferentes, suficientemente fraturantes e impeditivas que o hino (espanhol) seja cantado. 


Também é redutor falar no seu desaparecimento no Brasil por estar rodeado por países falantes de espanhol, ou ser substituído por outro idioma, tipo portunhol, agudizado por se constatar falarmos de um país que tem 40% da população da América do Sul, o maior poder económico latino-americano, uma potência emergente e Estado-nação, potencialmente mais exportador (que importador) de mercadorias culturais. 


De igual modo é de contestar que haja uma mais acentuada tendência de separação entre a norma portuguesa e brasileira, por confronto com a americana e britânica, porque o inglês europeu e americano se aproximam pelos programas televisivos, cinema, séries, filmes, músicas e eventos culturais que os Estados Unidos exportam em crescendo; dado que entre nós a influência cultural do Brasil está em ascensão e expansão, através da música, filmes, séries, telenovelas, crescente legendagem na vertente brasileira a nível do cinema, ópera, concertos (com uso crescente, por exemplo, do gerúndio verbal), notícias, textos e traduções nas redes sociais, na net, sem esquecer todo o tipo de obras e literatura em português, incluindo a tradução, na variante americana.   


A que se junta, recentemente e em permanência, a mais numerosa e nova vaga de imigrantes brasileiros, da mais alta à menos qualificada, em que uma língua comum é sempre determinante e uma mais-valia, independentemente do perfil de alguns que preferem ser vistos por “residentes estrangeiros” e não como “imigrantes”.


Sem ignorar demais países lusófonos e suas potencialidades futuras, que têm o português como língua oficial, lusófilos, seu potencial crescente demográfico e como idioma de exportação.


Para concluir que o eventual desaparecimento, separação ou substituição do português, vale o que vale, por redutor e simplista, como tantas outras previsões registadas ao longo da História, em alternativa com o seu reforço, via norma padrão ou não balcanização.     


O francês, por exemplo, era o idioma dominante e diplomático por excelência há cem anos, lugar que perdeu, nos tempos atuais, em benefício do inglês.   


Estamos perante uma realidade complexa, em movimento permanente, com raízes na Galiza, cujo futuro dependerá de muitos fatores, entregue a mecanismos históricos imprevistos e que, em qualquer caso, a nossa força de vontade e querer são o mais decisivo.


10.02.23
Joaquim Miguel de Morgado Patrício