CRÓNICAS PLURICULTURAIS
132. FILOSOFAR
Se filosofar é uma formulação de porquês geradora de outros porquês, um refletir sobre nós, a vida e a morte, questionar as coisas, escrutinando em permanência o que temos por adquirido e se a filosofia, em paralelo, interpela a incerteza, o desconhecimento, o amor pelo saber experimentado pelo ser humano consciente da sua ignorância, não surpreende que esta realidade seja tida por estimulante, para uns (democracias), e perigosa, para outros (ditaduras e totalitarismos).
Não reunindo um conjunto de verdades absolutas e pondo em causa o que sabemos, todos podem filosofar, mas nem todos querem fazê-lo, pois é mal visto, por muitos, o ato de pensar e de refletir sobre as coisas.
Quem somos? De onde viemos? Que queremos? Que é o ser humano e quem o rodeia? Para onde vamos? Questões permanentes que permanecem desde sempre.
Os estudantes peripatéticos, da escola aristotélica, há mais de dois milénios, filosofavam e refletiam enquanto caminhavam, valorizavam o valor do tempo lento, silencioso e do saber, o que hoje, em geral, é tido como mais inútil que útil, um interessante percurso sem saídas.
Há quem entenda que a filosofia e o filosofar é uma maneira de ensinar as pessoas a desaprender a aptidão natural das coisas e da vida, uma especulação sobre aquilo que a natureza nos dirá que fazer no momento adequado e à revelia do nosso pensar, desempenhando-o ela por nós, não tendo que nos preocupar nem refletir.
Nesta perspetiva, não nos preocuparmos nem refletirmos sobre a morte é um ato de libertação que nos permite simplesmente viver sobrevivendo, mesmo que se tenha como mais difícil.
Para Cícero e Montaigne, por sua vez, filosofar é aprender a morrer:
“Cícero diz que filosofar nada mais é do que aprender a morrer. Isto porque o estudo e a contemplação puxam até certo ponto a nossa alma para fora de nós e mantêm-na ocupada à margem do corpo, o que constitui uma espécie de aprendizagem e de semelhança com a morte; ou antes, porque toda a sabedoria e todos os pensamentos do mundo culminam neste ponto: ensinar-nos a não ter medo de morrer” (Montaige, Ensaios).
Pode-se filosofar sendo hedonista ou moralista, mas há que ter sempre presente que temos que antecipadamente nos convencer que não podemos alcançar ou ter tudo, e que privarmo-nos de alguma coisa faz parte da vida, assim como filosofar é pôr tudo em questão, e mesmo ter dúvidas sobre o universal “só sei que nada sei”, tal como em relação à morte.
17.02.23
Joaquim M. M. Patrício