A FORÇA DO ATO CRIADOR
Os desenhos de Phyllida Barlow ensinam a cair.
“…when you throw a stone into the water, it finds the quickest way to the bottom of the water. It is the same when Siddhartha has an aim, a goal. Siddhartha does nothing; he waits, he thinks, he fasts, but he goes through the affairs of the world like the stone through water, without doing anything, without bestirring himself; he is drawn and lets himself fall.”, Herman Hesse In Siddhartha
Os desenhos de Phyllida Barlow (1944-2023) revelam o que de mais puro e subtil existe nas suas esculturas monumentais.
Os desenhos de Barlow não são resultado de um progresso, são antes revelação de um processo, de uma transformação que se vai dando. Não são pinturas, porque são consequências de uma ação imediata. São desenhos porque estão muito próximos do pensamento. São imagens excessivamente metódicas, disformes e amorfas. São preparações primárias.
Os seus desenhos são como uma espera - uma espera para que algo de inesperado e de surpreendente aconteça. São uma queda desejada, para que se dê uma metamorfose que faz sentido, num momento fugaz e num instante único.
“On of the most exciting things, for me, about sculpture, in a way I’m never completely satisfied with what I do (…) There is a sort of humbling process in that relationship with two sort of inevitable sourcers which are doubt and failure (…) The desire to find the unfindable is part of the chase.”, Phyllida Barlow In I am interested in the cycle of damage and repair, Louisiana Channel
Saber demasiado o que se quer encontrar, para obter um determinado resultado preconcebido, pode produzir resultados muito limitados. Por isso, Barlow deixa que os seus desenhos sejam sobretudo contemplações - para que se abram espaços improváveis entre pinceladas e preenchimentos. Estes desenhos são lentas satisfações, onde se decidem matérias, escalas e tamanhos. Correspondem a infinitas possibilidades imaginadas que permitem descobertas acidentais antes de esculpir.
A realidade vista pela lente da memória e da imaginação é a condição que desencadeia e provoca. A fonte da incerteza e daquilo que não se encontra vem da captação de coisas familiares e reais. Estes desenhos de Barlow são testemunho de memórias, de experiências, dos sentidos, de impressões e de dispersões súbitas. As coisas do mundo são adaptadas e repensadas nos desenhos e o ato de lembrar e de esquecer permite o enriquecimento da transformação.
Os desenhos de Barlow, são entusiasmos permanentes, são um pôr-se em risco continuamente e são vontades em potência. São um meio para se encontrar uma intenção, que acontece aos poucos. Os seus desenhos surgem como um seguimento de uma eterna procura daquilo que quer ser e se quer formar - o encontro com a imagem do objeto desejado nem sempre se dá, porque a imagem do objeto nem sempre quer ser encontrada. Formar é, segundo Barlow, uma luta ininterrupta com aquilo que se quer obter e capturar. É um inevitável estado imparável de insatisfação e humildade.
Os desenhos de Phyllida Barlow são, por isso, um espaço entre o imaginado e o desejado, entre um começo e um fim, entre a expectativa e a impossibilidade. E talvez até perpetuem estados de comunicação insuficiente, de insatisfação aceite, de produtiva ausência e de expectativa de coisa alguma.
“But I think that, yes, the object that doesn’t want to be found is a fascinating concept that intrigues me… something that is ever present.”, Phyllida Barlow In I am interested in the cycle of damage and repair, Louisiana Channel
Ana Ruepp