CRÓNICAS PLURICULTURAIS
136. AGARRAR A VIDA, ANTES QUE ESCAPE…
Notícia recente refere um casal canadiano a dar a volta ao mundo, há um ano, com os quatro filhos, antes que três deles percam a visão.
Em 2019, diagnosticou-se que três, dos quatro irmãos, sofriam de uma condição genética degenerativa, com perda progressiva da visão, sendo os pais aconselhados, por um especialista, para encherem os filhos de memórias visuais antes que ceguem, via fotografias, livros de imagens, vídeos, levando-os a pensar em grande: fazer uma viagem à volta do mundo, durante um ano, proporcionando-lhes a experiência de uma vida enquanto pudessem ver.
Embora regularmente viajantes, esta viagem tornou-se uma necessidade vital, pelo que viajaram à volta do globo em 365 dias, mostrando-lhes o máximo e melhor, para ficarem com uma memória visual rica em diversidade, intensidade e emoção.
Em vez de verem, por exemplo, um elefante num livro, por que não ao vivo, preenchendo a sua memória visual com as mais belas imagens?
Por lugares exóticos e longínquos, a viagem começou na Namíbia, onde viram elefantes, girafas e zebras, seguindo-se a Zâmbia, a Turquia, a Mongólia, a Indonésia, o Nepal e outros lugares.
Esta antecipação real da viagem, arquivada e transferida para uma permanente memória visual, compensadora e redentora da perda, pode ter um efeito revigorante futuro, ao evocá-la na memória, pois há vivências testemunhadas na natureza que nos acompanham pela vida e, sempre que vindas à consciência, podem ser uma fonte de alívio e de combate às dificuldades do presente, por maioria de razão, presume-se, para em quem persiste a ameaça de ficar invisual. Ainda que se inquira o porquê deste sofrimento, dado nos parecer sem sentido tal cegueira, por nos ser inacessível a que lógica obedece o universo.
Embora expectável que ceguem até à meia idade, resta a esperança de que a ciência, um dia, encontre a cura, agarrando a vida, antes que escape, através do êxtase e fascínio de memórias da vida real transferidas e armazenadas no memorial estritamente visual e, pelo menos, antes da chegada da senhora dona morte.
07.04.2023
Joaquim M. M. Patrício