POESIA
8.
Também sou guarda-livros dos sonhos,
neles vou recriando alvoradas às quais me converto
e ainda que de poucas me recorde, estão escritas
todas, todas alinhadas
como os números a somar,
e ao mínimo gesto,
o que delas colho,
é a exata noção de que tudo em mim tende a ser
algo até à medula da alma,
sonhe eu o que sonhar,
minha púrpura ideia,
adentro, adentro
9.
Quando tudo é tendência para ser
a seguir outra coisa,
o desassossego não prende,
é.
Muitas vezes, tudo me interessa,
lá no meu retiro ermo,
e escrevo, escrevo como timidez que se sente grande
e sirvo-me aos consumos dos contrários.
É, muitas vezes, assim: saio de mim
e encontro-me como numa outra feição da minha vida.
Só a minha própria emboscada me percebe
quando nem posso ter a certeza poente
das camélias,
ou explicar a razão sensível
que me pedem
10.
Quanto mais diferente dos outros me sinto,
mais recordo o ontem do hoje
e até falas minhas de leitura única
que em literatura se desrendaram num chão,
do qual disto.
Algures, o sono de infância
- branquinho –
lembra-me aconteceres tão definitivos,
tão do lado de cá da minha estrada
que logo me sinto liberta, perdida,
folha,
não árvore,
mas perto de ti
11.
De novo, na consequência do luto,
nasce um abismo.
Resta erguermo-nos acima do nível dos dias
numa hipótese mais segura,
mais clemente do se algum dia me suceder,
estou mais firme, mais livre, mais eu consigo
sair de dentro deste cofre que achei proteger-me
e me impede, afinal,
a felicidade que não procuro.
Recomeço, então, a viagem,
de novo, de onde parto dando outro passo
da já adquirida habilidade
dos marçanos princípios.
E assim me balanço no balouço
ao qual chamei
ver as coisas
Teresa Bracinha Vieira