CRÓNICAS PLURICULTURAIS
137. OBSSESSÃO EM TRANSCENDER A MORTE BIOLÓGICA
A morte como passagem para outra dimensão, da vida depois da morte, tem tido por base, sobretudo, conceções religiosas, onde sobressai a imortalidade da alma.
No nosso tempo, cada vez mais, é através da tecnologia que se tenta transcender a morte biológica. Hologramas, sobrevivência eterna via morte digital, imortalidade virtual através de um scan cerebral, inteligência artificial, retardamento do envelhecimento, eis um desejo obstinado do Homo Sapiens de defrontar o que é dado como eterno e desafiar o infinito.
Prevê-se que o ser humano perdure, a breve trecho, com qualidade de vida, até aos 120, 150 anos, requerendo a sua continuação, a partir daí, a suspensão do envelhecimento celular, havendo empresas e laboratórios de biotecnologia especializadas em técnicas de regeneração intuindo-se que, um dia, possa adquirir-se a fórmula da imortalidade, quiçá num hipermercado.
Celebridades, intérpretes, pessoas renascidas e ressuscitadas em conversas, atuações e viagens virtuais (por vezes substituídas por avatares), em hologramas.
Imortalidade virtual, via transição de um ser humano para um cyborg, em que o pensamento se produz por chips e não por neurónios, com a ajuda de um scan cerebral e transferência do resultado para um computador, ou substituindo partes do cérebro por chips.
Morte digital, em que aos inscritos é garantida a eterna sobrevivência, por um processo desmaterializado e de espetros digitais, de uma identidade eletrónica, uma realidade virtual do que foi a pessoa na vida real, após análise por um software ao património digital e pessoal acumulado durante a vivência dos interessados.
Inteligência artificial que recupera a voz de pessoas finadas reproduzidas por uma assistente virtual, simulações de conversas entre mortos e vivos, algoritmos que inventariam e recopilam toda a parafernália deixada pelo defunto nas redes sociais.
Há um perfil virtual que sobrevive autonomamente ao corpo biológico, uma nova indústria e concetualização da morte, tentando-a remover do mundo que habitamos numa tentativa fixa e obsessiva de preencher ausências, o estar só, de transcender a morte biológica.
Eis um Homo Sapiens arrojado, ousado e provocador, a querer transmutar-se em Homo Deus, através de instrumentos - como a web, computadores e a Internet-de-Todas-as-Coisas (the-Internet-of-All-Things) - que não permitem decifrar e prever mistérios, como o da morte e da recente e rápida propagação da pandemia, com a agravante de que os algoritmos não possuem nem consciência, espírito ou sentimentos.
14.04.2023
Joaquim M. M. Patrício