A VIDA DOS LIVROS
De 17 a 23 de abril de 2023
“D. Manuel II – A Biografia do Último Rei de Portugal” da autoria de João Miguel Almeida (Manuscrito, 2022) constitui um percurso ilustrativo de uma personalidade multifacetada e por vezes surpreendente, a que a cultura portuguesa muito deve.
UM EXÍLIO AMARGO
“A maior parte da vida de D, Manuel II decorreu no exílio, sob a égide da saudade, por vezes com um toque amargo e depressivo, mas motivando-o a trabalhar em projetos que mantinha e alimentavam a sua ligação a Portugal: o seu trabalho de bibliófilo e de bibliologo, de diplomata informal, agindo nos bastidores políticos a favor da independência de Portugal, para ele indissociável da secular aliança britânica”. Um genuíno patriotismo não impediu que tenha tido razões para desilusão e pesar, perante as atitudes quer de supostos amigos, quer de adversários. Poderia ter sido um rei constitucional fiel aos seus ascendentes e à memória de um rei liberal como D. Pedro IV, contudo as vicissitudes políticas impediram esse destino. Manteve, porém, uma assinalável coerência humanitária, designadamente no apoio aos soldados do Corpo Expedicionário Português na primeira grande guerra, em especial no tratamento e reabilitação dos militares mutilados. Esta biografia acompanha os anos da infância e juventude de um filho segundo não preparado para suceder a seu pai, o rei D. Carlos, e todo um percurso desde a “ditadura” de João Franco e da grave crise política do regime; da ocorrência trágica do regicídio; do breve reinado sob influências contraditórias, num republicanismo “de facto” que não tardou em produzir efeitos; um jovem rei reformista e adepto da “acalmação” até às mil intrigas e à herança dramática de um regime fortemente enfraquecido. O próprio regicídio ficou sempre envolto em mistério, considerando cumplicidades, traições e um ambiente de desalento e de decadência. No momento em que subiu ao trono, inesperadamente, todos reconheciam a sua imaturidade. Por outro lado, mantinha-se a sombra de João Franco, que demitido suscitava a dúvida sobre se teria sido acertado, da parte do rei afastá-lo. Mas D. Manuel não teve dúvidas em demarcar-se da imagem desgastada do antigo chefe do governo.
PESADA HERANÇA
Os adiantamentos à Casa Real, o escândalo político Hinton sobre a produção de Açúcar na Madeira, as irregularidades no Crédito Predial, os amores do rei com uma artista do music-hall, Gaby Deslys, a suspeita de clericalismo que impendia sobre o jovem rei e sua mãe, a Rainha D. Amélia, a tentativa gorada do rei reforçar a política social, acompanhando o Congresso Operário de 1909, apesar de o republicanismo urbano prevalecer, tudo isso contribuiu para acelerar o movimento para a implantação da República, sem qualquer reação consistente do lado monáquico. Com a implantação da República, o rei partiu para Inglaterra, onde fixaria residência, iniciando-se um período muito agitado, com inúmeros movimentos nas hostes monárquicas, nos quais se incluíram as tentativas de reconciliação dos dois ramos dos Bragança, descendentes de D. Pedro e D. Miguel. Em setembro de 1913, D. Manuel casar-se-ia com D. Augusta Vitória Sigmaringen, vivendo o casal em Fulwell Park, no qual se passavam os dias entre as questões relacionadas com a Causa Monárquica e os temas da diplomacia, com o apoio do secretário Francisco Quintela de Sampaio. Com o defragar da Guerra, cria-se uma tensão no seio do próprio casal, já que D. Manuel defendia a “Entente Cordiale”, que tinha a simpatia de sua mãe, D. Amélia, de nacionalidade francesa, enquanto D. Augusta Vitória, não esquecia a nacionalidade alemã da família Hohenzollern, que assumira uma posição anti- “Entente Cordiale”. Apesar de tudo, a atitude de D. Manuel era de apoio à posição francesa, graças a sua mãe. Há, no entanto, um debate, como aliás no País, entre os partidários e não partidários na intervenção de Portugal na guerra no teatro europeu. O ex-rei organiza e financia, por exemplo, uma casa de saúde em Brighton para soldados convalescentes, com doze camas, todas ocupadas, sendo hasteada a bandeira monárquica, apesar de o rei falar do hospital como português. Não há, porém, dúvidas sobre a atitude patriótica de D. Manuel e sobre o apoio aos soldados portugueses. No campo monárquico há um debate sobre o tema da sucessão dinástica e sobre um possível acordo entre os dois ramos familiares dos Bragança. Há encontros e desencontros com os Integralistas Lusitanos e discordância em relação à posição do Centro Católico de António Lino Neto sobre a neutralidade quanto à restauração monárquica. D. Manuel mantém uma relação especial com o Cardeal-Patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo; Pio XI afirma, porém. que os monárquicos católicos eram livres de defenderem a restauração da monarquia desde que essa causa não fosse defendida em nome da Igreja Católica. Todavia para D, Manuel a monarquia não deveria surgir como contraponto à república mas como coroação de um movimento que congregasse os católicos, convencendo-os de que monarquia era a instituiçãso mais adequada à defesa da Igreja Católica, e os nacionalistas convencendo-os de que uma monarquia católica era o regime maos favorável à nação.
UNIR ESFORÇOS
O ex-rei insiste na ideia de união de esforços: “Quem dera ver todos os bons portugueses unidos a trabalharem para a salvação do país” – como dirá ao marquês de Lavradio. Quando procuramos um balanço, encontramos alguém que se considerava o primeiro dos portugueses, “não para afirmar uma superioridade em relação aos seus compatriotas, mas para subdlinhar a sua genealogia e a pertença a uma instituição – a monarquia . imbricadas na formação da nacionalidade portuguesa. Na sua perspetiva, a monarquia não estava presa ao passado; era uma tradição viva, portadora de um sentido para o futuro”. Como estudioso da cultura portuguesa, através da bibliografia e da bibliofilia, como admirador de Camões, como generoso apoiante de Portugal na Guerra, como apoiante dos portugueses vítimas do conflito – D. Manuel foi um patriota português, tantas vezes incompreendido, mas com uma herança digna de recordação positiva…
Guilherme d’Oliveira Martins
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