A FORÇA DO ATO CRIADOR
O mundo é essencialmente feito de peças soltas e por isso deve ser apresentado nos objetos e nos espaços concebidos, de maneira desconexa, incompleta, aberta e ilimitada.
“Creativity is for the gifted few: the rest of us are compelled to live in environments constructed by the gifted few, listen to the gifted few’s music, use gifted few’s inventions and art, and read the poems, fantasies and plays buy the gifted few. This is what our education and culture conditions us to believe, and this is a culturally induced and perpetuated lie.” (Nicholson 1972, 5)
A teoria das peças soltas formulada, no início de 1970, por Simon Nicholson (1934-1990) como princípio aplicado à conceção espacial, promove a criatividade como instinto e a manipulação livre do mundo tangível que nos rodeia.
Segundo Nicholson, a criatividade como instinto só pode surgir se as coisas e os espaços estiverem incompletos. A educação e a cultura fazem acreditar que só alguns podem planear, desenhar, construir e alterar as partes do mundo que nos rodeia - só esses têm e mais ninguém tem a capacidade especial e única para resolver problemas.
O resultado é que a maior parte das pessoas não podem (por não lhes terem sido atribuídas competências) para experimentar, construir e manipular as componentes e variáveis existentes - de maneira a descobrir novas coisas, novas formas e novos conceitos. A criatividade é assim, atribuída só a uma parte da população e aos restantes são-lhes impostos limites incrivelmente restritivos que impedem qualquer interação livre.
Para Nicholson, qualquer ser humano inerentemente foi feito para a descoberta e para a invenção. Todos temos a capacidade de criar e de experimentar mas isso só pode tomar lugar se à nossa volta houver condições para que isso possa suceder. E segundo este autor a incoerência, a falta de nexo e a incompletude das coisas, dos espaços e dos ambientes podem promover o encontro com essa criatividade perdida.
No texto “The Theory of Loose Parts. An important principle for design methodology.”, Nicholson escreve que todo o ser humano nasce com uma capacidade e um imenso interesse em interagir com muitas e diversas variáveis, materiais, formas - cheiros, eletricidade, magnetismo, gravidade, gases, fluidos, sons, movimento, interações químicas, comida, fogo e obviamente com um enorme desejo em contactar com outros humanos, com outros animais, com plantas, palavras, conceitos e ideias. Tudo isto faz parte do mundo e quanto mais disponíveis essas variáveis estiverem, mais facilmente se poderá manipular e modificar o que nos rodeia e até talvez todos possamos resgatar essa capacidade intrínseca de criar.
Por isso, Nicholson explica que as variáveis são peças soltas, são elementos livres. O mundo é essencialmente, deste modo, feito de peças desobrigadas e por isso deve ser apresentado nos objectos e nos espaços concebidos, dessa maneira desconexa, incompleta, aberta e ilimitada. Nicholson afirma que qualquer ambiente e qualquer espaço tem potencialidade para a descoberta e para a criatividade mas o grau de invenção é diretamente proporcional ao número e tipo de variáveis soltas que aí existirem.
A maior parte dos espaços que nos rodeiam (habitações, escolas, escritórios, parques, espaços públicos, hospitais, lares de acolhimento, aeroportos, museus…), não facilitam as interações humanas e o envolvimento com as variáveis, porque se apresentam como peças estáticas, presas, estéreis e impossíveis de manipular.
Nicholson explica que o mundo dos adultos ao formar técnicos especializados faz acreditar que tudo o que é construído não precisa de ser questionado porque está certo, completo e acabado: “What has happened is that adults - in the form of professional artists, architects, landscape architects and planners - have had all the fun playing with her own materials, concepts and planning-alternatives, and then builders have had all the fun building the environments out of real materials; and thus has all the fun and creativity been stolen: children and adults and the community have been grossly cheated and the educational-cultural system makes sure that they hold the belief that this is ‘right’. “(Nicholson 1972, 6)
Ora para Nicholson, a teoria das peças soltas permite que um objeto ou espaço se complete só através do uso e da interação livre, e por isso esta ideia pode em muito contribuir e enriquecer o trabalho de quem planeia. Nicholson, por exemplo, acredita que o sistema educacional deve sobretudo promover instalações que levem as crianças e os adultos a interagir com a comunidade e que, inversamente, permita que todos os membros de uma comunidade tenham acesso ilimitado a essas instalações. O sistema educacional deve considerar que as mais interessantes e vitais peças soltas existem nos espaços reais que são frequentados diariamente, na cidade, no campo, no subúrbio, na floresta, e nos espaços esquecidos.
Através da teoria das peças soltas, Simon Nicholson, abre a possibilidade da manipulação livre de todo e qualquer objeto ou espaço por parte de todos. A invenção de uns não deve ser só para pura contemplação deve sim permitir inúmeras formas de interação e possibilidade, de maneira a que todos possamos participar na construção do mundo à nossa volta e na resolução partilhada dos seus problemas.
“…although it is fine to allow scientists and artists to invent things, how about allowing everybody else to be creative and inventive also? (…)Is society content to let only very few of its members realise their creative potential? It is the purpose of this article to propose that it is not, and that if we know that creativity is not just characteristics of the gifted few, a crash programme of educational, recreational and environmental improvement must be started.” (Nicholson 1972, 10)
Ana Ruepp