Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

ABECEDÁRIO DA CULTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA


C. CABO VERDE E «CLARIDADE»


O fantasma que encontramos hoje chama-se “Chiquinho”, nasceu em Cabo Verde em S. Nicolau, estudou em S. Vicente, regressou como professor a S. Nicolau, mas teve de partir para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor… “A identidade cabo-verdiana não poderia ter sido decretada por nenhum poder: foi, como aconteceu com todos os povos, o resultado final de muitas interacções…”. Leia-se “A Construção da Identidade Nacional – Análise da Imprensa entre 1877 e 1975” (Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Praia, 2006) de Manuel Brito-Semedo. É fundamental seguir a evolução do pensamento da elite intelectual cabo-verdiana no desenvolvimento dos níveis de instrução, através do qual é possível entender a riqueza e a singularidade da cultura cabo-verdiana. Os nativistas, na passagem do século XIX para o XX, da geração de Eugénio Tavares (1867-1930), sobretudo autodidatas, passaram o testemunho aos regionalistas, de trinta e quarenta do século XX, já formados no Liceu e alguns no ensino superior, que abriram caminho aos nacionalistas, formados nas Universidades da Metrópole. Houve, assim, uma continuidade que definiu o processo de maturação, que permite hoje entender a consolidação de uma rica identidade cultural. Saliente-se o papel desempenhado pelo magistério pedagógico de Baltasar Lopes da Silva (S. Nicolau, 1907-1989) e de António Aurélio Gonçalves (S. Vicente 1901-1984) que permitiu uma sólida transmissão da mensagem identitária. Enquanto no tempo de Eugénio Tavares prevaleceu o combate contra as leis discriminatórias que afetavam o nativo, reivindicando um estatuto semelhante ao que vigorava para os habitantes dos Açores e da Madeira, o período da influência de Baltazar Lopes pretendeu definir Cabo Verde como um caso de “regionalismo europeu”. Depois, a geração de Amílcar Cabral, com Gabriel Mariano, Manecas, Abílio Monteiro Duarte, José Leitão da Graça, José Araújo, Corsino Fortes e Onésimo Silveira enalteceu a componente cultural africana, como um caso de “regionalismo africano”. A dialética afirmação / negação marcou, assim, o século XX, o que permitiu enriquecer a “identidade complexa”, e abrir o caminho da independência e da abertura cultural. Uma síntese pressupõe sempre que se afirmem e, num dado momento, até se extremem, os diversos polos em presença, o que aliás permite o enriquecimento do resultado, como acontece na “caboverdianidade” contemporânea. E assim o homem crioulo nasceu em diálogo e em confronto – que envolveram o sobressalto nativista, que se centrou valores originais, e que evoluiu para a tomada de consciência regionalista e nacionalista, que conduziu à identidade nacional. As três gerações marcantes representaram, deste modo, uma continuidade. A reclamação do estatuto de igualdade, a reivindicação da diferenciação regional e a exigência de autonomia política aparecem, deste modo, imbuídos de uma coerência que foi concretizando a construção da identidade nacional. O romance “Chiquinho” de Baltazar Lopes (1947) constitui a ilustração de uma identidade crioula dual, entre os que ficam e os que partem – e a palavra “morabeza” traduz um afeto que baseia a hospitalidade e a solidariedade. E é marcante a revista “Claridade”, de Baltazar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Lopes e Aurélio Gonçalves, publicada em S. Vicente, entre 1936 e 1960, por entre muitas dificuldades e vicissitudes materiais e dispersão de colaborações. O programa, no dizer de Manuel Lopes (1907-2005), era “fincar os pés na terra cabo-verdiana” e teve uma influência muito significativa no sentido de uma autêntica impregnação cívica e da procura das raízes mais fundas da cultura cabo-verdiana – “em contacto com a terra os pés se transformaram em raízes e as raízes se embeberiam no húmus autêntico das nossas ilhas”. Aí temos a modernidade crioula, ligada ao próprio e ao genuíno e ao universal, na busca da emancipação… “Você Brasil, é parecido com a minha terra. / As secas do Ceará sãos nossas estiagens, / com a mesma intensidade de dramas e renúncias” (Jorge Barbosa). Na identidade crioula, a raiz etimológica da palavra tem a ver com um permanente ato de criação. Além da geração da “Claridade”, houve outras influências: a Academia Cultivar, ainda na senda do movimento claridoso (tendo como órgão de imprensa “Certeza – Folha da Academia”, 1944, S. Vicente), a “Nova Largada” (Praia, 1958, com o Suplemento Cultural do “Cabo Verde”, com Aguinaldo Brito Fonseca, Gabriel Mariano, Francisco Lopes da Silva…) e do “Seló” (Praia, Folha de Novíssimos, 1962). “Chiquinho” põe-nos perante o dilema do ficar ou do partir – eis a grande dúvida, neste ponto do nosso folhetim…

 

>> Abecedário da Cultura da Língua portuguesa no Facebook

 

CRÓNICA DA CULTURA

  


As liberdades não são verdadeiras liberdades se ninguém ou poucos as aplicarem.

Acreditar que se vive em sociedades livres quando, em grande medida, a realidade é a das liberdades formais, conduz ao profundo equívoco de se pensar que se se tem direito à habitação, consequentemente se tem dinheiro suficiente para a adquirir.

Esta inverdade deveria conduzir à reflexão acerca das liberdades substantivas.

Questionarmos o pendor teatral a que ficam confinadas as liberdades em sociedades ditas mais desenvolvidas, quer em termos políticos quer sociais, e aferir o quanto podemos ser livres para reivindicarmos, mas que, se afinal, ninguém nos escutar as vindícias, qual a relevância da liberdade da queixa? até onde a ilusão de que assim muito ainda se pode mudar?

Registe-se também que mesmo hoje, o acesso diferenciado às mulheres em muitas profissões tem passado pelo menosprezo que se atribui às suas necessidades de independências pessoais, estas, base de toda a libertação.

Todavia, é grande a percentagem de mulheres que utilizam a não-liberdade para usarem com eventual humildade o grande poder de educar os filhos, de manipular presumidos estados de inocência ancestrais a seu favor, numa conceção de mando encapotado, o que, em última análise lhes seca a liberdade substantiva a que nos referíamos, e estagna o curso da história.

Sem sombra de dúvida que o raciocínio sedentário não questiona, em realidade, nenhuma situação no seu âmago, e se nos considerarmos pessoas livres nas sociedades contemporâneas porque não temos tiranos políticos, não surpreende então o muito que falta fazer para que se esclareçam as deficientes interpretações entre o que se vive e o que se poderá viver.

As liberdades não são verdadeiras liberdades se ninguém ou poucos as aplicarem, mas certamente, esta visão ainda parece bizarra.


Teresa Bracinha Vieira