Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Que fantasma se segue? Um dos mais previsíveis. Um cultor de máscaras e da suprema arte de Thalia, que Talma celebrizou.. O sétimo fantasma respeita, assim, ao teatro. Das três graças da corte de Afrodite – Tália fazia nascer flores, Eufrosina dava sentido à alegria e Aglaia repesentava a claridade. Já François-Joseph Talma (1763-1826), seria o ator favorito de Napoleão, reconhecendo ao teatro uma essencial função na vida cívica, como arte por excelência da representação e da busca da verdade. O nosso Garrett seguiria esses mesmos passos, essenciais a um regime de liberdade. Mas em Portugal, é Mestre Gil (talvez autor da Custódia de Belém segundo Teófilo Braga, ou pessoa diferente segundo Camilo) o grande símbolo da representação da vida como movimento, liberdade crítica e ensinamento. Não tendo sido o primeiro no teatro português foi, no entanto, o mais célebre. De facto, Gil Vicente (c. 1465-1536), é uma das referências fundamentais da cultura e da língua portuguesas. Pouco se sabe dele, ou pelo menos muito menos do que gostaríamos, mas lê-lo e seguir a sua obra multifacetada e rica, é o modo que temos para poder compreender as nossas raízes. Lembremo-nos do “Auto da Índia” (1509), retrato das contradições das gentes na capital do Império e da presença dos “fumos da Índia”, mas também do “Auto da Lusitânia” (1532), que a audácia de Almada Negreiros representou como se os dois protagonistas – Todo o Mundo e Ninguém – fossem dois irmãos gémeos, como verdadeiramente o são. Quer no “Auto da Índia”, quer no “Auto da Lusitânia”, mestre Gil representou as figuras essenciais da epopeia da Índia como verdadeiros símbolos, o que levou Almada Negreiros a fazer uma interpretação livre na caracterização das personagens. Como acontece com a maior parte dos Autos, Comédias e Farsas de Gil Vicente, há um fundo ético, que não significa sisudez, mas que representa aguda consciência do picaresco. Este fundo lírico e religioso leva-nos às raízes trovadorescas, mais uma vez, designadamente aos temas das “Cantigas de Santa Maria” de Afonso X e ao “Cancioneiro Geral” de Garcia de Resende… E assim temos os Autos de Devoção (como da “Visitação”, no “Monólogo do Vaqueiro”, ou nos “ Auto da Alma”, de “Mofina Mendes” e na “Trilogia das Barcas”), as Comédias (como a “do Viúvo”), as Tragicomédias (como “D. Duardos”, e “Amadis de Gaula”), as Farsas (como “Quem tem Farelos?”, “Auto da Índia”, “Velho da Horta” ou “da Lusitânia”, com o célebre entremez “Todo o Mundo e Ninguém”), além das “Obras Miúdas” (como o “Pranto de Maria Parda”). E não esquecemos o que António Tabucchi disse sobre o nosso lado trocista e o culto de trocadilhos, dando como exemplo o Pranto de Maria Parda, onde ela diz “cada traque que eu dou é um suspiro de saudade”. Ruben A. e Nuno Bragança concordariam com a expressão bem portuguesinha. O “Auto da Lusitânia” foi representado quando a corte regressou a Lisboa, depois de ter passado a epidemia de peste na capital (1532). Retrata-se uma família judaica de Lisboa. Lediça, a filha do alfaiate Jacob, varre a “logea”. E entra um cortesão galanteador, fazendo-se a jovem desentendida. Sem sucesso, o atrevido sai, entrando o pai alfaiate, vindo de negócios na cidade. E um amigo diz que é preciso “inventar” um auto, pois a Lusitânia desperta em Portugal um amor especial. Assiste-se então ao frutuoso casamento de Portugal com a princesa Lusitânia. Dinato descreve a Berzebu o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém. E conclui com a célebre frase “Todo o Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade”. A sobriedade e a sabedoria são qualidades que a Lusitânia e Portugal representam nas suas almas gémeas. Eis por que razão este sétimo fantasma diz, assim, muito sobre quem somos. Diferentes e insatisfeitos. Reconhecendo a imperfeição. Buscadores de mitos como chave da compreensão das nossas raízes.
Como acontece no mês de agosto, indicamos hoje vinte e cinco livros recentes, que aconselhamos aos nossos leitores. Como habitualmente a ordem indicada é arbitrária. Todos os livros indicados merecem especial atenção.
(1) O recente desaparecimento de Milan Kundera, leva-nos a aconselhar em primeiro lugar, da D. Quixote, “Um Ocidente Sequestrado”. “No mundo moderno, onde o poder tem tendência a concentrar-se cada vez mais nas mãos de alguns grandes, todas as nações europeias arriscam tornar-se em breve pequenas nações e sofrerem a respetiva sorte”. Eis o que importa reter no cenário de guerra em que nos encontramos. As incertezas são evidentes, e os próximos tempos vão exigir soluções que preparem os cenários que se seguirão à invasão russa da Ucrânia.
(2) Como temos insistido, a obra de Timothy Garton Ash “Pátrias – Uma História Pessoal da Europa” (Temas e Debates) constitui uma reflexão fundamental que nos permite compreender as grandes tendências na vida europeia e mundial na presente conjuntura. Depois da queda do muro de Berlim, as mudanças ocorridas trouxeram surpresas significativas que ainda darão lugar a novas evoluções difíceis de prever.
(3) A Bertrand acaba de publicar “O Eterno Declínio e Queda de Roma”, de Edward J. Watts: “há muitos séculos que o declínio de Roma é uma espécie de trauma que está no centro da cultura ocidental e que por isso tem sido aproveitado por líderes e governqantes como argumento principal para tentar inverter alguma situação com a qual não concordem” O livro procura repôr a verdade e destrói vários mitos.
(4) De João Tordo, a Companhia das Letras publicou “Uma Valsa com a Morte”. “Que fazer da vida, quando a presença sombria, intangível e por vezes cómica da morte nas nossa vidas é um facto incontornável?”.
(5) “Toda a Prosa” de Manuel Alegre (D. Quixote), com prefácio da Paula Morão, é um dos acontecimentos literários do ano de 2023, uma vez que aqui podemos reencontrar a pujança criativa de um dos mais importantes autores portugueses contemporâneos.
(6) A Cavalo de Ferro publica de Júlio Cortázar o clássico “Bestiário”.
(7) A D. Quixote republica “Imperatriz” de Pearl Buck, biografia romanceada da Viúva Cixi, concubina do imperador Xianfeng, depois líder da dinastia Qing.
(8) “Direitos Humanos” de Francisco de Bethencourt publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos é uma obra atualíssima, num tempo em que assistimos a preocupantes retrocessos na vida democrática nas mais inesperadas situações. Daí a necessidade de sermos mais exigentes na criação de instituições e de modos de melhor respeitar o universalismo da dignidade humana.
(9) Jorge de Sena conta com a reedição de “Andanças do Demónio” (na Guerra e Paz). Oito peregrinações aos domínios do demo e do desconhecido.
(10) A Cavalo de Ferro publica “Retrato de Grupo com Senhora” de Heinrich Böll (de 1971) um dos mais belos romances alemães do pós-guerra.
(11) José António Barreiros publicou na Oficina do Livro “O Piloto de Casablanca”, onde conta a vida do piloto José Cabral, que bem poderia ter sido protagonista na viagem do mítico filme com Bogart e Bergman.
(12) “O Quarto de Bebé” de Anabela Mota Ribeiro (da Quetzal) é um testemunho emocionante de um encontro entre o drama e a esperança da vida.
(13) A Gradiva publica “Espelho Imaginário” de Eduardo Lourenço constituído por um notável conjunto de ensaios sobre a Arte Contemprânea.
(14) A Contraponto publica a reedição de “Tempos de Eduardo Lourenço” da autoria de Manuela cruzeiro, Maria Manuel Baptisa e Fernanda de Castro.
(15) Ruy Castro publica na Tinta da China “Vida por Escrito” da autoria do biógrafo de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Para o escritor a única arma do biógrafo é a verdade.
(16) A D. Quixote publica de Lívia Franco “Uma Família Monárquica na Guerra da República”, saga portuguesa que permite compreender melhor o período que vai da queda da monarquia constitucional ao fim da Grande Guerra.
(17) A Guerra e Paz publica de Isaiah Berlin “Esperança e Medo – Dois Conceitos de Liberdade”, que contém um enaio autobiográfico e o célebre ensaio “O Ouriço e a Raposa”.
(18) José Mattoso, que nos deixou há pouco, escreveu “História Contemplativa” editada por “Temas e Debates”, obra essencial para a compreensão da Memória histórica e do Património Cultural.
(19) A Imprensa da Universidade de Lisboa publicou um clásico de Edmund Wilson de 1940, que constitui uma história intelectual das ideias revolucionárias desde 1789 até à chegada de Lenine em 1917 – “Rumo à Estação da Finlândia”. É uma leitura fascinante.
(20) Ana Paula Tavares editou na Caminho “O Sangue da Buganvília”, um livro poderoso desta importante escritora angolana.
(21) João Carlos Espada assina na D. Quixote “Liberdade como Tradição – Um Olhar Euro-Atlântico sobre a Cultura política marítima de língua inglesa”.
(22) José Gardeazabal escreveu “A Mãe e o Crocodilo” na Companhia das Letras. O cenário é a Europa Central e de Leste com todos os perigos e dúvidas. Vladimir confronta-se com uma história de ocultação.
(23) A Relógio d’Água deu à estampa “Os Poemas” de Konstantinos Kavafis, com tradução e prefácio de Joaquim Miguel Magalhães e Nikos Pratsinis.
(24) A Assírio e Alvim publicou “Poesia” de Luiza Neto Jorge.
(25) Adília Lopes escreveu “Choupos” com edição Assírio e Alvim.