Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Celebram-se os cem anos de um dos principais homens de cultura portugueses do século XX.
Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu a 9 de agosto de 1923, em Lisboa. Foi poeta, pintor, tradutor e considerado um dos grandes Mestres do Surrealismo Português.
Frequentou a Escola António Arroio (1936-1943) onde conheceu António Domingues, Cruzeiro Seixas, Fernando de Azevedo, Fernando José Francisco, José Leonel Martins, Júlio Pomar, Pedro Oom e Marcelino Vespeira. Na companhia destes jovens artistas, que animaram entre nós o movimento surrealista, reuniu-se em tertúlia de características Dadá no Café Herminius, em Lisboa.
Em 1947, viajou até à capital francesa que lhe permitiu um encontro com os membros do grupo surrealista francês, nomeadamente, André Breton, Victor Brauner e Henri Pastoureau. Ainda nesse ano, integrou o chamado Grupo Surrealista de Lisboa com Alexandre O’Neill, António Domingues, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Marcelino Vespeira, cujo objetivo era protestar contra o regime político que vigorava em Portugal e contra as poéticas dominantes da época. Após divergências com o Grupo Surrealista de Lisboa afastou-se e criou o grupo dissidente Os Surrealistas constituído por Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, António Maria Lisboa, Mário Henrique Leiria, Carlos Eurico da Costa, Fernando Alves dos Santos, Fernando José Francisco e Henrique Risques Pereira. O grupo organizou duas exposições coletivas em Lisboa, na Sala de Projeções da Pathé-Baby (1949) e na Livraria A Bibliófila (1950). Mário Cesariny destacou-se no Surrealismo plástico pelo seu pioneirismo na introdução de novas técnicas, exploração de materiais e pela impregnação de humor, ironia, crítica, irreverência e drama. Apesar do afastamento dos grupos surrealistas, Mário Cesariny continuou a desenvolver um percurso brilhante, adotando uma postura de impulsionador e promotor de diversas exposições em Portugal e no estrangeiro, estabelecendo contactos internacionais, nomeadamente com o grupo Phases. O seu percurso individual e coletivo foi pautado por diversas exposições, salientando-se a organização das exposições Surrealismo e Pintura Fantástica (Lisboa, 1984) e Primeira Exposição do Surrealismo ou Não (Galeria S. Mamede – Lisboa 1994).
Publicou diversos títulos que o distinguiram como detentor de uma das obras literárias mais ricas e carregadas de complexidade do nosso tempo. Da sua extensa obra literária destacam-se: Corpo Visível (1950); Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952); Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953); Manual de Prestidigitação (1956); Pena Capital (1957); Alguns Mitos Maiores e Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação Pelo Autor (1958); Antologia do Cadáver-Esquisito (1961); Antologia Surreal/Abjecion(ismo) (1963); A Intervenção Surrealista (1966); Titânia e a Cidade Queimada (1977).
Foi Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e foi distinguido com o Grande Prémio EDP (2002), com o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE)/Caixa Geral de Depósitos (CGD) e condecorado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. A sua obra e vida foram registadas nos documentários Autografia de Miguel Gonçalves Mendes (2004) e Ama como a estradacomeça, com guião de Perfecto E. Cuadrado (2002).
O artista e poeta proporcionou, à Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão, a incorporação por compra, doação e legado de uma grande parte da sua biblioteca e acervo artístico e documental. É com o intuito de lembrar e homenagear este nome da cultura portuguesa do século XX que, são realizados anualmente, no aniversário da sua morte, os Encontros Mário Cesariny.
Mário Cesariny de Vasconcelos faleceu a 26 de novembro de 2006, em Lisboa.
O Centro Nacional de Cultura homenageia a sua memória.
Agradecemos a colaboração da Fundação Cupertino Miranda.
As “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett (1ª edição, 1846) são constituídas por quarenta e nove capítulos de um folhetim romântico, cuja originalidade está na linguagem comum que usa e na ligação entre o relato de uma viagem e a narrativa de uma história trágica sobre a guerra civil que dividiu o país de 1832 a 1834, e de que o autor foi protagonista. A viagem existiu de facto, de 17 a 22 de julho de 1843, em que Almeida Garrett foi ao encontro do seu amigo Passos Manuel, então num exílio no interior da pátria, uma vez que tinha sido arredado da ribalta política pelo golpe de Estado em que António Bernardo Costa Cabral restaurou a Carta Constitucional (1842). A narrativa é imaginada como procura de uma lição moral, depois do tempo heroico de uma guerra ter cedido lugar ao conformismo e à indiferença – simbolizados na figura de Carlos. Se é certo que o autor, inspirado em Swift, Stern ou De Maistre, nos diz que neste género importa mais o estilo que a doutrina, a verdade é que o autor cuida especialmente da renovação do estilo, e da sua originalidade, sem esquecer uma pitada de doutrina, já que não esconde a acerba crítica em relação ao cinismo e ao agiotismo a que se chegara. O escritor quer acreditar na força da liberdade e dos seus ideais, contudo olha em volta e muito pouco vê nesse sentido. Por isso, sendo um partidário da “monarquia nova” (como disse no célebre discurso do Porto Pireu, perante José Estevão), não pôde deixar de admirar, apesar de não gostar de frades, a convicção de Frei Dinis, o inesperado pai de Carlos, velho partidário da “monarquia velha”. A descrição da viagem entremeia a exaltação da natureza (“bela e vasta planície”, “delicioso aroma selvagem”) com as invocações pessoais, em aparente desordem. Até que chegamos ao vale de Santarém. Faias, freixos, álamos, madressilvas, mosquetas, congossas, fetos e malvas-rosas compõem uma verdadeira sinfonia silvestre. E chegamos a uma janela, que faz adivinhar um feitiço. E se falamos de fantasmas, eis uma das referências indiscutíveis. É a janela da “menina dos rouxinóis”, da “Joaninha dos olhos verdes”.
E abre-se o romance: “Era no ano de 1832, uma tarde de Verão, como hoje calmosa, seca, mas céu puro e desabafado…”. Garrett mistura propositadamente as suas reflexões ao longo da viagem e o contar da narrativa, que ali teve lugar, no auge da guerra entre o Portugal novo e o Portugal antigo (com a presença de Joaninha, Carlos, Georgina, a Avó e Frei Dinis). E entre os episódios do romance, a viagem continua: “Recebeu-nos com os braços abertos o nosso bom e sincero amigo, atual possuidor e habitante do régio alcáçar, o Sr. M.P.” (Manuel Passos). E então: “comemos, conversámos, tomámos chá, tornámos a conversar e tornámos a comer. Vieram visitas, falou-se de política, falou-se de literatura, falou-se de Santarém sobretudo, das suas ruínas, da sua grandeza antiga, da sua desgraça presente. Enfim, fomo-nos deitar. Nunca dormi tão regalado sono em minha vida…”. Ontem, como hoje, a magnífica hospitalidade… E assim vida e literatura juntam-se naturalmente.
Mas retornemos à menina dos rouxinóis. «Joaninha não era bela, talvez nem galante sequer no sentido popular e expressivo que a palavra tem em português, mas era o tipo da gentileza, o ideal da espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezasseis anos, havia, por dom natural e por uma admirável simetria de proporções, toda a elegância nobre, todo o desembaraço modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conversação da corte e da mais escolhida companhia vêm a dar a algumas raras e privilegiadas criaturas no mundo». O que a singulariza? «Os olhos de Joaninha eram verdes... não daquele verde descorado e traidor da raça felina, não daquele verde mau e destingido que não é senão azul imperfeito, não; eram verdes-verdes, puros e brilhantes como esmeraldas do mais subido quilate». (…) «O efeito desta rara feição, naquela fisionomia à primeira vista tão discordante, era em verdade pasmosa. Primeiro fascinava, alucinava, depois fazia uma sensação inexplicável e indecisa que doía e dava prazer ao mesmo tempo: por fim pouco a pouco, estabelecia-se a corrente magnética tão poderosa, tão carregada, tão incapaz de solução de continuidade, que toda a lembrança de outra coisa desaparecia, e toda a inteligência e toda a vontade eram absorvidas. Resta só acrescentar — e fica o retrato completo, um simples vestido azul-escuro, cinto e avental preto, e uns sapatinhos com as fitas traçadas em coturno». Camões também um dia disse: «Eles verdes são / e têm por usança / na cor, esperança / e nas obras não». “Minina dos olhos verdes, porque me não vedes”? E que maior saudade de um espírito senão a deste amor de Joaninha?
Havia uma esperança diferente quando as pessoas cuidavam umas das outras num respeito pelos mais idosos, à proeza do seu interpretar e no transmitir dessa interpretação.
O medo e a incerteza do viver era atenuado pela rocha que constituía a solidariedade do amor, e por ele, o dever de ajuda.
Agora, as pessoas receiam o morrer antes da morte, num fogo cruzado das gentes vivas que os marginalizam desfocando deles a atenção.
Muitas vezes já se entrou na bancarrota dos afetos, e na suposição de que os velhos, são vestígios do passado que devem aceitar o sem futuro, no futuro que lhes propõem.
Muitos dos lares onde as pessoas são colocadas, passaram a favelas que contam estórias de esquecimento dos sobreviventes que por lá negoceiam, como podem, as novas conformidades.
A depressão e a insegurança de uma maioria que deu à vida o seu melhor, afinal, para se candidatarem a pagar o preço altíssimo de um rap cruel, nunca esteve verdadeiramente pendente como problema nas assunções do Estado.
A infelicidade governa olhar e corpo, num lugar que rompe ou vai rompendo, esgaçando a esperança.
Será que já se viu e compreendeu onde chegámos?
Será que novos e velhos se vão recusar a que as vidas se façam em subcave?
Uma vez, naquele dia, todos começaram a fazer pelo melhor: ouvi dizer.