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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ABECEDÁRIO DA CULTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA

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Z.   ZOMBAR

 

O António Alçada Baptista era um admirador do Millôr. Muitas vezes invocava o seu humor para pôr tónica na liberdade, e na necessidade de não nos levarmos demasiado a sério. Eram inesgotáveis seus comentários. O Alexandre O’Neill concordava plenamente e o António Tabucchi insistia em que Millôr demonstrou que a cultura da língua portuguesa não era apenas lírica e trágica, mas também picaresca. Daí a importância do escárnio e maldizer, desde as nossas raízes, e de muitos diálogos vicentinos, desde o Auto das Barcas ao Pranto de Maria Parda. Millôr Fernandes era um bom exemplo. Dizia ele: “Em geral quando a gente encontra um espírito aberto entra e verifica que está vazio”. E ainda: “A vida consiste de metade de mentiras que a gente é obrigado a dizer, e metade de verdades que a gente é obrigada a calar”. “O passado é o futuro usado”. “Uma criança está deixando de ser criança no dia em que começa a fazer perguntas que têm respostas”.

Millôr Fernandes (ou Milton Viola Fernandes) nasceu em 16 de agosto de 1923, no subúrbio do Rio de Janeiro. Seu pai — Francisco Fernandes — era um espanhol naturalizado brasileiro. Porém, faleceu em 1925, deixando o escritor órfão. Assim, para sustentar os filhos, a mãe foi obrigada a trabalhar como costureira. Millôr iniciou sua vida escolar em 1931 e, três anos depois, apaixonou-se pelas revistas de quadradinhos. Nessa época, já mostrava o seu talento como ilustrador. No entanto, em 1935, perdeu também a sua mãe. Então, o menino foi morar com a família de seu tio materno. Em 1938, o jovem Millôr ingressou no mercado de trabalho, como paquete num consultório médico e na revista “O Cruzeiro”, além de iniciar seus estudos no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Nesse ano, foi o vencedor em um concurso de contos da revista “A Cigarra”, onde viria a trabalhar. Um dia disse: “Quando um técnico vai tratar com imbecis deve levar um imbecil como técnico”. “É porque ninguém gosta de trabalhar que o mundo progride” – como já dizia Confuncio.

No ano seguinte, escreveu para o “Diário da Noite” e tornou-se diretor das revistas “A Cigarra”, “O Guri” e “Detetive”. Já em 1942, fez sua primeira tradução: “A estirpe do dragão”, da escritora americana Pearl S. Buck (1892-1973). Em 1943, terminou seus estudos no Liceu e retornou à revista O Cruzeiro. Cinco anos depois, em 1948, viajou para os Estados Unidos, onde conheceu Walt Disney (1901-1966). Nesse mesmo ano, casou-se com Wanda Rubino e, em 1951, fez uma viagem pelo Brasil, durante quarenta e cinco dias, em companhia do escritor Fernando Sabino (1923-2004), com o intuito de conhecerem melhor o país. “Quando, afinal, nos acostumamos com uma moda é porque ela já está completamente em decadência”. Em 1952, Millôr conheceu ainda a Itália e Israel. A primeira peça teatral de Millôr — “Uma mulher em três atos” — estreou-se em 1953. A partir de então, iniciou uma carreira bem-sucedida no teatro. Também apresentou o programa de televisão Universidade do Méier em 1959. Disse então: “Os clássicos mudam muito de opinião para agradar os que os interpretam”. No ano seguinte, a sua peça “Um elefante no caos” estreou após censura. Com ela, Millôr Fernandes ganhou o prémio de melhor autor da Comissão Municipal de Teatro.

O dramaturgo e ilustrador conheceu o Egito em 1961. Dois anos depois, esteve em Portugal. Nesse mesmo ano foi trabalhar no Correio da Manhã e em 1964, criou a revista Pif-Paf. “Idiota é o indivíduo que ouvindo uma história com duplo sentido não entende nenhum dos dois”. E “chato é o indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós nele”. “Nada é mais falso que uma verdade estabelecida”. Durante a sua vida, teve uma vasta colaboração na imprensa ligando o comentário breve e a ilustração irónica: O Jornal, Tribuna da Imprensa, Veja, O Pasquim, IstoÉ, Jornal do Brasil, O Dia, Folha de S. Paulo, Bundas e O Estado de S. Paulo. Também em Portugal foi celebrada a colaboração semanal no “Diário Popular”. Da década de 1960 até a sua morte, em 27 de março de 2012, o teatro e a televisão foram para ele importantes meios de expressão do artista. E deixou um especial alerta: “Morrer rico é extrema incompetência. Significa que você não usufruiu ou pelo menos que não usufruiu todo o seu dinheiro. Além disso, um rico que gasta tudo o que tem antes de morrer, livra os seus herdeiros do odioso imposto de transmissão”. Mas também deixou escrito: “Se agir sempre com dignidade pode não melhorar o mundo, uma coisa é certa, com dignidade, haverá na terra um canalha a menos”. “Não ter vaidades é a maior de todas”. “Ser diplomata é discordar sem ser discordante”. “Pontual é alguém que resolveu esperar muito”…

Como disse José Paulo Cavalcanti: “Millôr era amigo certo de amigos incertos. Homem reto, apesar do empeno da coluna. Que sentia dores e quase todos os seus derivativos – sobretudo amores, andores e ardores. Apreciador de bolo de rolo; e, para ser justo de outros bolos e outros rolos. Alguém que acreditava na bolsa dos valores e nas boas ações. Que não gostava de roubar nem o tempo dos outros. Magro no corpo. E gordo nos sentimentos. Pobre, não de espírito. E rico, até de ilusões perdidas. Homem justo em uma vida injusta, onde os dias passam tão devagar e os anos passam tão depressa. Dizem que Millôr morreu? Impossível. Que Millôr é terno. Eterno. Viva Millôr”.

Zombar era seu ofício, não como modo de apoucar, mas para dar valor a quem o merece e de tornar claro quem não o merece. Zombar é cuidar da verdade. “O último refúgio do oprimido é a ironia, e nenhum tirano, por mais violento que seja escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça, aumenta a mordacidade”.

 

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ANTOLOGIA

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A GUERRA ÀS AVESSAS
A PALAVRA DE JOÃO BÉNARD DA COSTA
 
1 - Quanto mais penso nesse filme, mais espantado fico. Na verdade, nem é no filme, relativamente banal e ensosso, mas no fim do filme. Se há, não conheço uma figura semelhante. A raiz quadrada de um número sem raiz quadrada. "Três quartas de cinema" ou "três quartas partes pretas de lã carneira?". Não estou a louvar nada nem a simplificar nada, embora as citações venham do poema de Cesariny, de que me lembrei a páginas tantas por razões que explicarei lá para o fim desta página.
É certo que estou no princípio e por isso convém que me explique antes que se faça ainda mais tarde.
 
2 - O filme, de que vos poupo o título original em russo, chama-se qualquer coisa como "Às Seis Horas da Tarde, Depois da Guerra", a acreditar nas traduções ocidentais, já que, antes deste Janeiro, nunca tinha sido exibido em Portugal. Realizou-o um certo Ivan Pyriev (1901-1968) em 1944, ou seja, há 60 anos. Passou num ciclo que a Cinemateca está a finalizar, dedicado aos gelos e degelos do cinema soviético entre 1926 e 1968. Ou seja, a filmes que ou foram proibidos pela censura estalinista e dos camaradas que se seguiram, ou a filmes que foram mudados de cabo a rabo pelas mesmas censuras (em certos casos, por várias vezes e com cortes diferentes) ou a filmes que, pelo contrário, de tão perto seguiram a linha oficial que o tempo os tornou inacreditáveis e ainda mais reflectores que as obras tesouradas.
Quando se programam ciclos destes há riscos vários. Os mais ingénuos ou os mais distraídos acreditam que vão ver filmes de resistentes, que heroicamente denunciaram Estaline nos anos 30, 40 ou 50, Krustchev nos anos 50 e 60, ou Brejnev nos anos 60. Basta pensar duas vezes para perceber que filmes desses jamais podiam ter existido na União Soviética. Quem pensasse em filmar um plano sequer de crítica explícita ou implícita já estava na Sibéria (na melhor das hipóteses) antes de pegar na câmara. O que foi proibido ou censurado foi-o por razões circunstanciais, na maior parte dos casos difíceis de detectar a esta distância temporal e sabendo-se o que se sabe hoje. Aprende-se mais com os ortodoxos do que com os humilhados e ofendidos. Pyriev era desses ortodoxos. Um labrego segundo os amigos, mas um labrego com talento, que sabia do ofício, o poder prezou e o público - que-tem-sempre-razão - adorou. Vários filmes dele foram sucessos colossais na URSS, com muitos milhões de espectadores, coisa de povoar os sonhos dos gémeos lusos do século XXI. "Às Seis Horas da Tarde, Depois da Guerra" foi um dos maiores. Filmado em 44 - em plena guerra e não depois dela -, conta a história de um bravo soldado russo (no cinema soviético, todos os soldados são bravos) que se apaixona por uma corajosa enfermeira (no cinema soviético, todas as enfermeiras são corajosas). Encontram-se por aqui e por acolá, cantam muito, na boa tradição do musical e, lá para o meio do filme, combinam casório para o fim da guerra. No dia desse fim, marcam encontro numa ponte de Moscovo, às seis da tarde. Mas eis que o soldado fica sem uma perna em combate. Como alma nobre que era, decide que não vai impor um inválido à bela enfermeira. Um amigo que lhe vá explicar que ele morreu, que ela não pense mais nele. Mas os amigos são para as ocasiões. A meio da piedosa mentira, o portador da má nova arrepende-se do que está a mentir. Conta-lhe a verdade e a rapariga corre para o hospital, para lhe jurar que não é perna a mais perna a menos que a aquece ou arrefece. Chegou a tempo. O soldado pensou melhor e achou-se egoísta, individualista e pequeno-burguês. Repetem a jura anterior. Só que, depois, é a rapariga quem apanha com um estilhaço e o espectador é levado a crer que ela morreu. O soldado nada sabe. E, às seis da tarde, no dia do fim da guerra, lá está na ponte, à espera da noiva. Passam as 6, passam as 7 e nem novas nem mandados. Mas filmes destes, a leste como a oeste, fizeram-se para acabar bem. Quando protagonista e espectadores já desesperam, a moça, supõe-se que incólume, aparece-lhe e lá vem o abraço e beijo finais. É evidente (até por este resumo o é, quanto mais pela visão do filme) que Pyriev viu muito cinema americano. Concretamente viu "Love Affair" de McCarey (1939), obra que, mai-lo seu "remake", "An Affair to Remember" do mesmo McCarey, e mai-los "remakes" feitos depois desse, suponho conhecida pela maioria dos meus leitores, Charles Boyer (ou Cary Grant) a combinar encontros no Empire State Building, com Irene Dunne (ou Deborah Kerr) a ser atropelada, a ficar paraplégica e a decidir desaparecer para não estragar a vida ao amado.
"Às Seis Horas da Tarde, Depois da Guerra" é uma variação sobre o mesmo tema, história de azares e de sortes.
 
3 - Mas não é isso que me embasbacou. Não precisei de chegar a esta idade para saber como o longo braço de Hollywood chegou até ao país dos comunistas e como os filmes mais exaltadores da glória do proletariado seguiram receitas capitalistas, disfarçadas com temperos locais. O que é inédito é que, em 1944, quando ainda havia tropas alemãs em território russo e o desfecho embora previsível não fosse ainda de favas contadas, Pyriev não tenha hesitado em figurar o dia V, como se todo consumado fosse.
Eu sei que não faltam na história do cinema (até na história do cinema soviético) representações de futuros longínquos, isso a que se costuma chamar "ficção científica". Eu sei que ficções do real ou com o real foram o pão-nosso de cada dia. Mas nenhum filme ocidental, dos anos da guerra, ousou jamais mostrar o fim, antes de o fim chegar, ou deu dois passos em frente para olhar do futuro vitorioso o passado sangrento. Também nunca houve - nem nos mais delirantes filmes de propaganda anticomunista - representações da queda do Kremlin ou da queda do Muro. Neste caso, Pyriev não hesitou. Em 44, mostrou 45, na guerra mostrou a paz. Há quem diga que o fez para dilatar a crença de que o dia da vitória estava próximo. Afinal de contas, a "Marselhesa" ("le jour de gloire est arrivé") tanto se cantou no início das grandes guerras como no fim delas. E, como Pyriev até nem se enganou muito (a Alemanha rendeu-se um ano depois da estreia do filme), podemos absolvê-lo dessa antecipação pela premonição. Porque é que eu fiquei tão embasbacado?
 
4 - Precisamente, como já disse, por essa sequência final. Séculos de cinema (passe o exagero) habituaram-nos a ver, documental ou ficcionada mente, o dia da Vitória como um dia de multidões transbordantes, enchendo as ruas, com soldados e paisanos abraçando-se furiosamente, num 25 de Abril em tamanho sobrenatural. A tamanha festa e a tamanha alegria. Tudo o que simbolicamente foi captado na lendária fotografia que deu volta ao mundo do marinheiro e da rapariga em abraço tremendo. Pyriev, em 44, não tinha milhares de figurantes nem podia filmar nas ruas de Moscovo. Que fez ele? Construiu uns "décors" com a ponte tão citada no filme, ao fundo da qual uma transparência dava a sugestão do Kremlin, iluminado por holofotes. Agarrou em duas dezenas de figurantes, de ambos os sexos, e pô-los a passear de braço dado pela dita ponte. Casais jovens, casais de meia-idade, como domingueiros, como se andassem por ali a ver as vistas. Em primeiro plano, o herói da perna de pau, muito sozinho e muito ansioso. Nalguns cantos, outros vultos solitários, ora de mulher, ora de homem. À vez, vinham chegando os pares esperados pelos ditos cujos. Abraços e beijos e lá iam a passear, juntando-se aos outros. Até que só ficava sozinho o protagonista. Caía a noite e os casais iam para a noite deles, sempre vagarosos e emburguesados, com passos de um coro de ópera convencional, mais se assemelhando a espectros do que a humanos. E, quando por fim chegava a enfermeira, o abraço era tão púdico e tão desengraçado como só o cinema soviético filmou abraços e beijos. Mas tratava-se da girândola final. Pyriev não o esqueceu e, para a sublinha, guardou para esse momento uma largada de fogo-de-artifício digna da festa da Senhora dos Remédios em Forno de Algodres, sem desprimor para a Senhora e para o forno. Na banda sonora, muitos bum-bum-bum. Até encadear com a palavra fim. E é essa sequência que não deixa de me perseguir desde o dia 7 de Janeiro. No país do "socialismo", na "pátria do povo", na terra dos sovietes, o fim da guerra foi celebrado por antecipação, sem povo, sem operários, sem camponeses, sem massas, sem qualquer desordem, sem qualquer alegria, a não ser a alegria breve de uns casais de namorados. Moscovo é uma cidade fantasmagórica, inexistente para aquém e para além da ponte sombria e soturna. Ou seja, Pyriev imaginou tudo menos uma real festa popular. É totalmente surrealista, no sentido pejorativo da palavra. Fez frio e medo. Muito frio e muito medo. Mas, pensando bem, talvez esteja certo. Para voltar a Cesariny e ao surrealismo, na verdadeira acepção da palavra: "Porque é que a enfermeira compra do Alves Redol quando está a pensar nas pernas e no peito do louro galã?" E nem sequer nisso pode mostrar que pensa. Na URSS, qualquer festa espontânea era espontaneamente inimaginável.

16 de Dezembro 2004 Público
 
 

ABECEDÁRIO DA CULTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA

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Y.   YÉTI – PORTUGUESES NO TIBETE

 

O Yéti corresponde a uma figura, entre o mítico e o real, que representa o “Abominável Homem das Neves”, celebrizado, designadamente, por Hergé em “Tintin au Tibet”, estando presente em diversas culturas, para além dos Himalaias, principalmente em lugares extremamente hostis e montanhosos. O Yéti tornou-se na cultura mundial uma homenagem ao diálogo entre a humanidade e a natureza. Investigadores, conscientes do pouco que se conhece sobre a matéria, sugerem a hipótese de o Yéti ter o estranho costume de acasalar com seres de outras espécies, até os humanos, deixando descendentes por todo o mundo com características muito parecidas com as suas, adaptadas ao clima local. Neste Folhetim de Verão falamos de algo muito pouco conhecido, ou seja, dos primeiros portugueses a demandar o Tibete. E se falamos de portugueses é porque eles foram, sem dúvida, os primeiros europeus nessa aventurosa demanda. O Tibete, região quase mítica, o teto do mundo, manteve-se desconhecida dos europeus até ao início do século XVII, altura em que um grupo de jesuítas portugueses decidiu empreender a exploração de tão misterioso e surpreendente lugar.

Houve uma primeira viagem épica do Padre António de Andrade (Oleiros, 1580 – Goa, 1634), o primeiro ocidental a chegar ao Tibete em 1624. Como Superior da Missão do Mogol, deixou Agra acompanhado por Jahanjir, imperador mogol que viajava para Lahore. Em Deli, encontrou um grande número de peregrinos hindus que rumavam para o fabuloso templo, situado a quarenta dias de viagem. Esperando atingir o Tibete após visitar Lahore, António de Andrade, conjuntamente com o irmão Manuel Marques, começaram o seu caminho, conduzidos pelos “gentios”. A missão teve algum sucesso; foi construída uma pequena igreja na passagem e houve algumas conversões. No entanto, em virtude de um golpe de Estado contra a influência cristã, a missão foi destruída e os portugueses expulsos do país. Andrade deixou o Tibete em 1629 e foi nomeado provincial em Goa em 1630; retomando em 1633 o seu antigo cargo de Reitor do Colégio de S. Paulo em Goa. Em 1634 o padre Andrade foi envenenado, por uma intriga interna, na reitoria do colégio e morreu em 19 de março.

Outros padres abriram novas rotas, que levariam aos reinos de Sikkim, Nepal e Butão – este último percorrido por João Cabral (Celorico da Beira, 1599 – Goa, 1669) e Estêvão Cacella (Avis, 1585- Tibete, 1630). Os dois identificaram o mítico lugar de Shangri-La, bem como o lugar de nascimento do Buda Gautama. A busca do mítico reino do Cataio correspondeu à procura de um lugar onde existiriam cristandades perdidas – desde as planícies de Bengala ao interior do Butão. Contudo, não se confirmou essa presença familiar. No Butão, Cacella e Cabral encontraram Shabdrung Ngawang Namgvel, o unificador do reino, e no fim de uma estada de quase oito meses no país, o padre Estevão Cacella escreveu uma longa carta no Mosteiro Chagri ao superior jesuíta em Cochim. O relatório, A Relação, relativa ao progresso das suas viagens é o único relato de Shabdrung que nos resta.

A aventura dos jesuítas começou em Hoogly, junto a Calcutá, na Índia, de onde partiram os padres Estêvão Cacella, João Cabral, a 2 de agosto de 1626, vestidos de soldados, para melhor passarem despercebidos. Em Bandel, no bairro de Hoogly, cidade fundada pelos portugueses, encontramos uma Igreja dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, datada de 1599. A peregrinação dos jesuítas rumou ao reino do Cocho, sendo feita pelo Bramaputra e seus afluentes, numa embarcação de tamanho considerável. Os padres transportavam vários objetos: designadamente os necessários presentes sem os quais nada se podia fazer. O destino seguinte foi Gauwathi, capital da província indiana de Assam, a atual Hajo, local de peregrinação para três confissões religiosas – budismo, islão e hinduísmo – então sede das terras do Senhor de Cocho (Cooch Behar). Os padres portugueses foram hóspedes de um rajá local, que os levaria mais tarde à presença do rei do Cocho. O famoso Bir Narayan recebeu-os com pompa e concedeu-lhes salvos condutos para entrada no Reino. A entrada dos jesuítas portugueses no Butão foi feita pela fronteira de Rangamati. Munidos das devidas autorizações de viagem e de um cavalo que lhes transportava a bagagem. Havia montanhas altíssimas e vales muito profundos. Ao fim de vários dias de caminhada avistaram finalmente a aldeia de Rintam. Ali residia um lama que, previamente informado da chegada dos portugueses, obteve autorização do rei do Butão, e conduziu-os a Paro, capital do reino. Cacella e Cabral ficaram maravilhados com o vale de Paro. Também a arquitetura local, assim como o peculiar ordenamento urbano, os impressionou. O padre Cacella foi o primeiro europeu a entrar no Butão e a viajar através dos Himalaias no Inverno. Foi também Cacella que, pela primeira vez, descreveu aos europeus um lugar fictício chamado Shambala (que significa “paz/tranquilidade/felicidade”). De acordo com o budismo tibetano este seria um país ideal localizado a norte ou oeste dos montes Himalaias: no século XX o mito inspirou James Hilton a escrever o romance “Horizonte Perdido”, inspirado em Shangri-La.

Recentemente, a RTP produziu, graças à coordenação do investigador Joaquim Magalhães de Castro, um conjunto de quatro programas sobre essa aventura fundamental, muito pouco conhecida, reveladora das rotas seguidas por um conjunto de intrépidos jesuítas portugueses do início do século XVII nos Himalaias. Tal série documental traduziu uma aventura de milhares de quilómetros através de uma das mais espetaculares e deslumbrantes paisagens do planeta. Terra de mosteiros, alta montanha, lagos de água cristalina e rotas de peregrinação lendárias, o Tibete continua a ser o mais misterioso e aliciante recanto dos Himalaias. Na Biblioteca de Thimpu, atual capital do Butão. o diretor da instituição, Dr. Yonten Dargye, revela a grande riqueza documental disponível para a investigação sobre as relações históricas entre Portugal e o Butão. Joaquim Magalhães de Castro visitou o mosteiro-fortaleza de Punakha, um dos edifícios mais significativos do Butão, sem esquecer o referido mosteiro de Chagri, o primeiro local onde os jesuítas foram recebidos pelo monarca, tendo-lhe estes oferecido armas, pólvora e um telescópio. Aí residiram, estudaram a língua local e tiveram autorização para difundir a fé cristã. É um local de meditação para os monges e destino de eleição para os inúmeros peregrinos que ali rumam ao longo do ano.

 

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

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147.   INTERROGAÇÕES EM DEMOCRACIA

 

Se, por exemplo, considerarmos que a liberdade de expressão é, no essencial, uma vantagem cívica e social das elites e dos mais ricos, dado terem as suas necessidades básicas satisfeitas, sendo natural que os direitos cívicos (como a liberdade de expressão) sejam mais relevantes que os direitos sociais, ao invés dos mais pobres para quem relevam mais os direitos sociais (e não os cívicos), há que questionarmo-nos se a dicotomia entre direitos cívicos e sociais não é um modo rudimentar de abranger a complexidade do ser humano.

 

Nas democracias onde tendencialmente as desigualdades sociais são maiores, os cidadãos não partilham preferencialmente a visão eleitoral e meramente liberal, tendo as eleições e direitos cívicos como insuficientes, partilhando essencialmente uma democracia inclusiva a nível dos direitos sociais, reclamando condições substantivas que lhes deem condições sociais iguais para expressarem e formularem as suas preferências. Daí que, vocacionalmente e em países como o nosso, a maioria da população prefira a segurança em desfavor da liberdade, sendo sabido que quando as pessoas começam a abdicar dos seus direitos cívicos e fundamentais em troca da seguridade, isso nos conduz a um plano inclinado muito perigoso de ditaduras e totalitarismos.

 

Direitos cívicos e sociais são ambos parte integrante dos direitos humanos, havendo que, nesta perspetiva, os descaraterizar ideologicamente, não podendo acantoná-los a uma mera relação entre o indivíduo e o Estado, pois são mais que isso, antecipando-se e estando acima do poder estadual, limitando-o na sua discricionariedade.

 

Nesta sequência, conclui-se que quanto maior uma igualdade cívica, política e social entre todos os cidadãos, quanto mais significativa, forte, instruída e predominante uma classe média, mais rica a esmagadora maioria da população e, por certo, mais adequada, proporcional e razoável será uma partilha entre direitos cívicos e sociais, entre a liberdade e a segurança, o que acarreta a reconfiguração, o desaparecimento gradual e a extinção de forças populistas ou partidos que têm como base da sua sobrevivência a pobreza de muitos, cuja existência os carateriza ideologicamente, alimenta e sustenta, embora não o assumam.

 

25.08.23
Joaquim M. M. Patrício

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X.   XAVIER (S. FRANCISCO) E “PEREGRINAÇÃO”

 

Francisco de Xavier sentiu-se abalado pela conquista do Reino de Navarra por Castela. Então o rei de Portugal D. João III pediu ao Papa Paulo III para que este lhe enviasse missionários para os territórios da Índia. D. João III é aconselhado pelo diretor do Colégio de Santa Bárbara, Diogo de Gouveia, a chamar para os Reino de Portugal jovens da Companhia de Jesus. Inácio de Loyola escolhe Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilla para essa missão, mas este adoece e Francisco é nomeado seu substituto, chegando a Portugal em 1540. Parte no ano seguinte, a 7 de abril, a bordo da nau S. Diogo, a nau capitânia das cinco naus da frota comandada por Martim Afonso de Sousa, que ia que tomar posse do cargo de governador na Índia.

Em agosto ancoraram na ilha de Moçambique e depois em Melinde. Durante a viagem, muito atribulada pela difusão do escorbuto na tripulação, as qualidades e o carisma de Francisco Xavier foram evidentes. A nau Santiago chegou a Goa a 6 de maio de 1542. O trabalho de Francisco de Xavier inauguraria mudanças na Indonésia, tendo-se tornado conhecido como o “Apóstolo das Índias” quando, entre 1546 e 1547, trabalhou nas Molucas. Depois de partir da região já havia entre 50 e 60 mil católicos. Em dezembro de 1547, em Malaca, Francisco de Xavier conhece Fernão Mendes Pinto, que regressava do Japão e trazia consigo um nobre japonês de nome Angiró que ouvira falar de Francisco em 1545 e viajara de Cagoxima para Malaca com o propósito de o conhecer. Angiró, acusado de um crime, fugira do Japão. Abriu o seu coração a Francisco, confessando-lhe a vida que levara até ali, mas também os costumes e cultura da sua terra natal. Angiró foi batizado por Francisco Xavier e adotou o nome português de Paulo de Santa Fé. Como antigo samurai, tornar-se-ia um valiosíssimo mediador e tradutor na missão ao Japão. Francisco teve um forte impacto no Japão, tendo sido o primeiro jesuíta nesse encargo. Os japoneses não se revelaram ouvintes fáceis. Muitos eram budistas e Francisco Xavier teve dificuldade em explicar-lhes o conceito de Deus criador de tudo o que existe e o mesmo relativamente ao inferno. Apesar das diferenças religiosas, Francisco Xavier terá sentido que os japoneses eram um povo bom, como os povos europeus, e que por isso poderiam ser convertidos. Morreu em Sanchoão (1552) às portas da China. Homem santo de três religiões – cristã, hindu e muçulmana – o seu corpo é venerado na Basílica do Bom Jesus de Goa, constituindo caso único na história das religiões.

A “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto (c. 1510-1583) põe-nos diante uma verdadeira personagem romanesca, que assume diferentes acontecimentos e personalidades, e que descreve de um modo notabilíssimo, o que era a vida de um português no Oriente – criado de fidalgo, soldado, escravo, agente de negócios, pirata dos mares da China, mercador, médico ocasional do rei do Bongo, vagabundo e embaixador -, a verdade é que isso simboliza o português do mundo. Os estudiosos sobre esse tempo são os primeiros a considerar que não é possível compreender o que João de Barros ou Diogo do Couto nos relataram sem ler Fernão Mendes Pinto. Este é a personagem completa, que não precisa de convencer ninguém que deixa de ser quem sempre foi. O próprio título com que a obra foi publicada dá-nos a expressão plena da riqueza do relato. “Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no do Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas cousas, & da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz & resplandor daquellas partes do Oriente, & reitor nellas universal da Companhia de Iesus”. Ao ler a obra, houve entre os contemporâneos quem duvidasse dos relatos, respeitantes aos vinte e um anos em que andou pela Ásia, tendo sido, na sua própria expressão, “treze vezes cativo e dezassete vendido nas partes da Índia, Etiópia, Arábia Feliz, China, Tartária, Macáçar, Samatra e muitas outras províncias daquele Ocidental arquipélago dos confins da Ásia”. A escrita começou logo em 1557, com a memória bem fresca, só sendo publicada trinta e um anos depois da sua morte (1614), por Pedro Craesbeek, com tardia autorização do Santo Ofício. Aos que duvidaram da veracidade dos relatos, o autor respondeu significativamente: “a gente que viu pouco mundo, como viu pouco também costuma dar pouco crédito ao muito que os outros viram”.

É memorável o encontro de Fernão Mendes Pinto com António de Faria, o célebre corsário, numa situação, em que quiseram saber novidades de Liampó, “porque se soava então pela terra que era lá ida uma armada de quatrocentos juncos em que iam cem mil homens por mandado de El-Rei da China a prender os nossos que lá iam de assento, a queimar-lhes as naus e as povoações, porque os não queria em sua terra, por ser informado novamente que não eram eles gente tão fiel e pacífica como antes lhes tinham dito”, mas afinal era engano, pois essa armada tinha ido, afinal, socorrer um Sultão nas ilhas de Goto. É inesquecível a perseguição ao corsário mouro Coja Acém, que se dizia “derramador e bebedor do sangue português” e a quem Faria jurara vingança, por lhe ter roubado as fazendas e morto os companheiros na batalha mais violenta da “Peregrinação”. “E arremetendo com este fervor e zelo da fé ao Coja Acém como quem lhe tinha boa vontade, lhe deu, com uma espada que trazia, de ambas as mãos, uma tão grande cutilada pela cabeça que, cortando-lhe um barrete de malha que trazia, o derrubou logo no chão…”. E lembre-se o episódio da vinda do Embaixador do Rei dos Batas. Pero de Faria fê-lo «agasalhar o mais honradamente que então foi possível». E assim «o despediu bem despachado, e satisfeito do que viera buscar, porque lhe deu ainda algumas cousas além das que lhas pedira, como foram cem panelas de pólvora, e rocas, e bombas de fogo, com que se partiu tão contente desta fortaleza, que chorando de prazer, um dia perante todos os que estavam no tabuleiro da igreja, virando-se para a porta principal dela, com as mãos levantadas, como quem falava com Deus, disse publicamente. Prometo em nome de meu Rei a ti Senhor poderoso, que com descanso e grande alegria vives assentado no tesouro das tuas riquezas que são os espíritos formados da tua vontade, que se te praz dar-nos vitória contra este tirano de Achem (…). E assim te prometo e juro com toda a firmeza de bom e leal, que meu Rei não tenha nunca outro Rei se não este grande português, que agora é senhor de Malaca». Fernão Mendes construiu, deste modo, no dizer de António José Saraiva, «um Oriente espantosamente humano, que tem o seu estilo próprio. Um Oriente que não é feito só de cidades, templos e esculturas, mas também do estilo falado, de etiquetas humanas, de sentimentos típicos». E assim a nossa cultura é inesgotavelmente peregrina!

 

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CRÓNICA DA CULTURA

  

 

A importância dos megassítios de imponência arguta é a de constituir cenário certeiro de onde se comanda e influencia com facilidade as gentes, de onde se observa o seu grau de submissão, seduzindo, manipulando, ostentando força e mando com toda a mestria da expressão física do empoderamento, de acordo com as necessidades de capitanear o domínio das massas.

Os megassítios, os megapalcos, têm normalmente formatos semiabertos a gigantescas assembleias, não para meras demonstrações simbólicas de circunstâncias festivas, antes para disfarçar algo perverso: o domínio total das fragilidades.

São normalmente construções perturbadoras que ajudam a influenciar as governações físicas e espirituais das gentes que a elas acodem, procurando uma panóplia indiferenciada de respostas que lhes recrute a vida.

Os filhos e as filhas dos megassítios assistem a estas poderosas assembleias confinados à área onde tudo acontece naquele momento e se prolongará nas suas memórias prisioneiras dos “megatudo”, quais representantes de todos os interesses, de todos os períodos do mundo, e conhecedores de que escavando assim a vontade moral dos povos se lhes cobra a submissão.

Os homens lutam pela sua subserviência como se assim lutassem pela sua salvação, fornecendo até às lágrimas os sinais, logo captados, pelos membros do júri das chefias - cozinheiros profissionais de uma qualquer governação - , para que estes os conduzam e lhes autorizem a eventual felicidade.

E assim, um tudo, se continua a reduzir a uma afirmação sem risco de ser suplantada:

tu pertences-me

 

Teresa Bracinha Vieira

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W.   WENCESLAU DE MORAES

 

E encontrámos Wenceslau com Camilo Martins de Oliveira e José Tolentino Mendonça… Quioto é uma cidade especial. Aqui sente-se a tradição japonesa, como sinal de um povo antigo, sereno, amável e hospitaleiro. Estamos na antiga cidade imperial, qualidade que perdeu em 1868, depois de ter havido entre os séculos XVII e XIX uma partilha de influência política com a cidade de Edo, hoje Tóquio, até à revolução Meiji. A cidade é marcada pelo rio Kamo e está situada entre três montanhas. No bairro de Gion, conhecemos as narrativas e descrições romanescas, e aí podemos ver o desenho de uma antiga cidade nipónica. Há restaurantes tradicionais, há muito movimento, edifícios baixos e pequenos, em madeira, bem ordenados, assinalados com balões coloridos iluminados. Vêem-se geishas em trajes de função. As ruas são estreitas e limpas, a ordem e a organização imperam. A cada passo, as pessoas saúdam-nos com vénias, ora para nos convidarem a entrar, ora para nos agradecerem se lhes demos primazia no burburinho dos passeios. No Outono, há alegria e jovialidade no ar, mesmo depois de cair a noite. Não há humidade e a temperatura ronda os 12 graus. Ao passar pela zona dos teatros, invocamos o Kabuki e a sua evolução. Apesar de ter sido fundado por mulheres, estas foram banidas sob acusação de prostituição, e há muito que o Kabuki passou a ser representado apenas por homens. Complexas maquilhagens permitem distinguirmos o Kabuki do teatro Noh, as diferenças são profundas, indo do burlesco à erudição. Quando no dia seguinte passamos por Gion, de manhã cedo, a quietude impera, num ambiente doce. O rio Kamo é referido com veneração. As suas águas protegem a cidade e os seus habitantes. Nas margens, passamos pela rua de Pontocho, popularíssima e uma das marcas da cidade. Aqui a referência aos portugueses não se faz esperar. Neste local ficaria um banco de areia e diz a tradição que os nossos compatriotas chamar-lhe-iam ponte. Sempre que se falava dos portugueses os olhos dos nossos interlocutores brilhavam de satisfação. Há um genuíno gosto pelo que somos e pelo facto de termos sido os primeiros europeus a chegar. O sol iluminava a cidade e as montanhas e começámos a perceber a beleza extraordinária do «momiji». As árvores que rodeiam a cidade no Outono têm as folhas vermelhas ou amarelas. Wenceslau de Morais (1854-1929), o escritor português que se apaixonou pelo Japão e cujos textos nos acompanham como ajuda preciosa, disse que «as espécies europeias não oferecem igual maravilha em colorido». Sentimos entusiasmo ao ver as grandes massas desta folhagem belíssima. Nessa manhã cristalina, fomos, ao Pavilhão de Prata, o Ginkaku-ji, que literalmente se apagava diante daquela natureza outonal pujante. Depressa percebemos que o importante não era o facto de a prata nunca ter sido colocada para tornar o edifício espetacular. Tudo se passa, afinal, como se apenas faltasse a prata para espelhar a pujança dos jardins, pois o essencial é o movimento das plantas e a ordenação magnífica da natureza.

 

O momiji tudo domina, parecendo dizer que a natureza culta, domada pelo ser humano, é dominada pelas folhas escarlate, como se fossem flores. Deambulamos pelos caminhos do jardim, contamos as suas pedras, deslumbramo-nos com os musgos tratados, com as águas, com os lagos, com os jardins secos, com o saibro riscado ou a terra cuidadosamente penteada a representar ilhas, oceanos e os rios da vida. Seguimos pelo caminho dos filósofos ou via dos mestres. Um canal ladeado de cerejeiras segue sinuoso pelo sopé das Montanhas Orientais e há muita gente que caminha, gozando a natureza, conversando, lendo ou simplesmente indo em direção ao templo zen de Nanzen-ji. A designação recente do percurso deve-se ao filósofo Nishida Kitaro (1870-1945), professor da universidade de Quioto, que tornou este lugar simbólico obrigatório para a compreensão da cultura japonesa.

 

As obras de Wenceslau de Moraes são de extrema importância no plano nível cultural com reflexo do pensamento português no mundo e sobre o mundo. Encontra-se em cada palavra sua o cruzamento de ideias e de História, de imaginário e realidade. Torna-se difícil compreender o que Moraes encontrou numa civilização tão diferente da sua, que fez mudar os seus padrões culturais, sempre com os sentimentos do exílio e da saudade presentes na sua alma e no seu coração, sentimentos tão particulares do seu povo.  Um português que procurou manter um contacto diplomático quer com os seus conterrâneos, quer com os japoneses, mas terminou os seus dias sozinho em Tokushima. Wenceslau de Moraes foi autor de um legado sobre assuntos ligados ao Oriente, em especial ao Japão destacando-se as obras: Traços do Extremo Oriente; Cartas do Japão; O Culto do Chá; A Vida Japonesa; Relance da História do Japão; Serões no Japão e Relance da Alma Japonesa.

 

Em Nanzen-ji sentimos que a lição «sê mestre da tua mente» é um elemento fundamental nesta cultura do conhecimento e da compreensão. A colossal Sanmon à entrada do recinto do templo dá-nos a impressão de que estamos num lugar essencial para a cultura zen. Este portão descomunal não tem um prego, foi erguido no século XVII apenas com encaixes que põem à prova a habilidade e a inteligência humanas. Tudo para consolar as almas dos que morreram num cerco do Castelo de Osaka. Nos aposentos do Abade do Convento deparamos com o célebre “Tigre a beber água”, obra-prima da pintura tradicional japonesa do século XVII da autoria de Tamyu Kano, além de uma intervenção de Kobori Enshu, com seixos e pinheiros num impressionante jardim seco. A verdade é que a relação do tempo e do universo tem uma importância especial. Sentimo-lo no equilíbrio entre a arte e a natureza em Nanzen-ji, nos jardins, nos seixos, nas representações, mas especialmente na cerimónia do chá, no templo de Kodai-ji, nessa tarde. A preparação, a simbologia e os gestos – tudo exige um forte domínio do corpo e da presença, em nome do respeito, da tranquilidade, da pureza e da harmonia. O culto é muito mais do que uma tradição, é um gesto litúrgico, até de influência cristã. Folheamos “O Culto do Chá” de Wenceslau de Moraes: «nos templos famosos em Quioto, por exemplo, o bonzo oferece chá ao peregrino antes de mostrar as relíquias e os museus». Aqui os nossos queridos fantasmas estão bem vivos. Convivem connosco. Explicam tudo!

 

 

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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   Ilustração de Anna Ruepp

 

“… in danger of losing his shadow…”
Carl G. Jung in 
The Undiscovered Self

 

Nascido em 26 de julho de 1875, Carl Jung foi o psiquiatra suíço responsável pela criação da psicologia analítica, que explora a importância da psique individual e sua busca pela totalidade. Jung popularizou termos comuns da psicologia, como “arquétipo”, o significado de “ego” e a existência de um “inconsciente coletivo”. O seu trabalho influenciou vários campos além da psicologia, como a antropologia, a filosofia e a teologia. Como investigador na Suíça, Jung chamou a atenção de Sigmund Freud, progenitor da psicanálise, e vários conceitos desenvolvidos pelos dois apresentam semelhanças, embora não tenham trabalhado juntos. Em Tipos Psicológicos, um de seus livros mais conhecidos, Jung analisou os padrões da personalidade e comportamento que compõem as singularidades de alguém. Jung afirma que existem duas “atitudes” opostas, conhecidas como extroversão e introversão.  O introvertido sente-se mais confortável com os seus próprios pensamentos e sentimentos enquanto o extrovertido sente-se “em casa” quando lida com outras pessoas e objetos, além de prestar mais atenção ao seu impacto diante do mundo. Os introvertidos costumam observar como o mundo ao seu redor os afeta. Segundo Jung, nascemos com uma herança psicológica e uma herança biológica. As duas são importantes para determinar traços de comportamento: “assim como o corpo humano representa um ‘museu de órgãos’, cada um com um longo período evolutivo por trás dele, devemos esperar que a mente também esteja organizada desta forma”, explicou. O psiquiatra enfatiza que o inconsciente coletivo é o centro de todo o material psíquico que não corresponde à experiência pessoal. Seu conteúdo e imagens parecem ser compartilhados por pessoas de todas as épocas e culturas, enquanto o inconsciente pessoal envolve o passado e memórias de cada indivíduo”.

 

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V.   VASCONCELOS (CAROLINA MICHAELIS DE)

 

Falo-vos de uma mulher excecional. Na rua da Cedofeita, na cidade do Porto, a casa dos Vasconcelos era um centro onde se reuniam os mais influentes intelectuais do seu tempo, empenhados na vida cívica e no lançamento das bases de um progresso baseado na cultura e na liberdade. A primeira mulher catedrática na Universidade portuguesa nasceu alemã. Veio para Portugal por casamento com um dos grandes intelectuais do século XIX, Joaquim de Vasconcelos, estudioso sobre musicologia, biografia, pintura portuguesa nos séculos XV e XVI, sobre os contactos portugueses com os grandes artistas europeus como Albrecht Dürer, Rafael e Van Eyck, sobre história da ourivesaria, joalharia e cerâmica portuguesas, além da bibliografia crítica da história da literatura portuguesa, sobre Francisco de Holanda, Damião de Góis, Nicolau Clenardo e Duarte Ribeiro de Macedo. No final da década de setenta, Joaquim de Vasconcelos empenhou-se na feitura da Reforma geral do Ensino das Belas-Artes em Portugal (1877-1880). Foi um dos organizadores do Museu Industrial e Comercial do Porto. Enquanto Carolina estudava a evolução da língua, Joaquim de Vasconcelos debruçava-se sobre as raízes flamengas da pintura portuguesa no século de ouro. Tudo estava em saber sobre o melhor modo de interpretar e de chegar à identidade do ser português. Joaquim de Vasconcelos foi dos primeiros a pronunciar-se sobre os painéis ditos de S. Vicente, atribuídos a Nuno Gonçalves, em artigos publicados no “Comércio do Porto” (junho de 1895). A representação do Infante D. Henrique na “Crónica dos Feitos da Guiné” de Zurara pertencente à Biblioteca Nacional de Paris permitiu-lhe fazer as primeiras identificações relativamente aos painéis, a começar pela presumível data da sua feitura.

O conhecimento da realidade portuguesa por Carolina Michaëlis enche de espanto os seus leitores. Sendo mulher afirma, com grande sensibilidade, sobriedade, o espírito científico e a exigência a importância da educação e do conhecimento. Torna-se em 1877 sócia do Instituto de Línguas Vivas de Berlim. E é impressionante a lista dos trabalhos que publica - primeiro em matéria linguística, depois no âmbito da história e da crítica literárias. Lembremos os estudos sobre o "Cancioneiro da Ajuda" e o glossário imprescindível que preparou, com enorme cuidado. A literatura portuguesa é um inesgotável campo para a sua investigação no tocante às origens da poesia peninsular. A Universidade de Friburgo reconhece o labor científico de primeira qualidade de Carolina Michaëlis de Vasconcelos e concede-lhe o grau de Doutor honoris causa. O que a jovem não conseguira em Berlim conseguia-o agora, por via honorífica, mas com indiscutível sentido de justiça. O reconhecimento nacional e internacional de Joaquim de Vasconcelos também é notável: é sócio efetivo da Gesellschaft für Musikforschung de Berlim, da Real Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses (Lisboa), sócio correspondente do Instituto Imperial Germânico de Arqueologia, sócio honorário da Academia Real de Música de Florença, sócio honorário da Sociedade Martins Sarmento (Guimarães) e sócio benemérito da Associação Industrial Portuguesa.

Em 1901, D. Carlos concede a Carolina Michaëlis o grau de oficial da Ordem de Santiago da Espada, como preito de homenagem ao labor científico, que todos continuavam a considerar como de qualidade e interesse excecionais. Em 1911, logo após a implantação da República, Carolina é nomeada professora da nova Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em reconhecimento dos enormes serviços prestados à cultura portuguesa, lugar que não aceitará por motivos da vida familiar. No entanto, aceita o encargo pedagógico e científico, exercendo-o na Universidade de Coimbra. Aí, recebe, em 1916, o grau de doutora honoris causa, em ato solene de homenagem à sua obra, tão rica e relevante. Em 1923 é-lhe outorgada idêntica honra na Universidade de Hamburgo.

Mulher e investigadora, cultora da sensibilidade e do rigor – a sua vida demonstra a importância da íntima ligação entre a opção pessoal e a vocação científica. Considera que a Saudade é um “traço distintivo da melancólica psique portuguesa e das suas manifestações musicais e líricas, muito mais do que a Sehnsucht é característica da alma germânica. Refletida, filosófica, acatadora do imperativo categórico da Razão pura, ou hoje, do imperativo energético da atividade ponderada”, a palavra alemã “tem muito maior força de resistência contra sentimentalismos deletérios”. “A saudade e o morrer de amor (outra face do mesmo prisma de terna afetividade e da mesma resignação apaixonada)” são realmente, para a estudiosa, “as sensações que vibram nas melhores obras da literatura portuguesa, naquelas que lhe dão nome e renome. Elas perfumam o meigo livro de Bernardim Ribeiro e os livros que estilisticamente derivam dele, como a ‘Consolação de Israel’ de Samuel Usque, e as’ Saudades da Terra’ de Gaspar Frutuoso. Perfumam as Rimas de Camões e os Episódios e as Prosopopeias dos Lusíadas. —Perfumam as Cartas da Religiosa Portuguesa; e as criações mais humanas de Almeida Garrett, a Joaninha dos olhos verdes e as figuras todas de Frei Luís de Sousa. Não faltam no Cancioneiro do povo; nem já faltavam, na sua fase arcaica, nos reflexos cultos da musa popular que possuímos, isto é, nos cantares de amor e de amigo dos trovadores galego-portugueses, no período que se prolongou até os dias de Pedro e Inês. Logo no alvorecer da poesia, ainda antes de 1200, surgem naturalmente lindos lamentos de amor e de ausência. Encontro-os naquela singela composição, em que o rei D. Sancho o Velho desdobra o sentimento da saudade nas suas duas componentes principais: cuidado e desejo.

Se lermos a obra de Carolina Michaëlis e de Joaquim de Vasconcelos, muito rica, diversificada e inovadora, facilmente encontramos uma procura incansável da identidade portuguesa, pelo espírito singular da nossa cultura - demonstrando que essa cultura sempre se enriqueceu quando se abriu ao exterior e a outras culturas e sempre se empobreceu quando se fechou ou se deixou ficar pela inércia conservadora. Cultivaram, assim, ambos um espírito desperto e liberal, aberto e sensível, em busca do que ia para além do superficial e do imediato. Vendo a mestra com olhos de hoje, não passa despercebida uma intenção claramente emancipadora, de quem nunca deixou de assumir a sua qualidade de mulher e de quem considerou sempre, como naturalíssimo, que liberdade e igualdade fossem faces do mesmo espelho, como a igualdade e a diferença, e nunca realidades antagónicas. Mas para que tal acontecesse é preciso enaltecer a atitude de Joaquim de Vasconcelos, grande admirador de sua mulher, que com ela formou um par de características excecionais, pela sua complementaridade e pelo exemplo. Carolina Michaelis fez até morrer aquilo de que gostava e que era a sua vocação – o estudo incansável sobre a cultura portuguesa, as suas raízes e especificidades, sem esquecer que era um exemplo singular, que sempre desejou que deixasse de ser excecional. Como disse Gerhard Moldenhauer na oração fúnebre: “Quem, para mais conscientemente se orgulhar de ser português, alguma vez se interessou pela nossa herança espiritual, encontrou sempre no excecional espírito de Carolina Michaëlis o mais amável dos mestres e o mais seguro dos guias”.

 

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FRANCISCO: PEÇO-VOS EM NOME DE DEUS

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Na sequência da Jornada Mundial da Juventude, ficam aí algumas reflexões a partir de um livro de Francisco, “Os ruego en nombre de Dios. Por un futuro de esperanza” (Peço-vos em nome de Deus. Por um futuro de esperança). Soube que, entretanto, foi traduzido para português, na Editorial Presença: “O que Vos Peço, em Nome de Deus”. São dez pedidos.

Francisco, antes de referir esses pedidos, começa por apresentar a sua relação pessoal com Deus: “Uma relação como a de qualquer homem, muito humana”, acrescentando: “uma relação com Deus é boa quando avança de acordo com a idade, quando não se fica na infância e é aberta.” Confessa que nem sempre entende e há momentos de obscuridade: “Por vezes estou calado e deixo que Ele fale, que se faça sentir. É uma relação de convivência. Por vezes não o compreendo, tem os seus modos de proceder.” Mas o que sente é amor por Deus, acrescentando: “Não podes amar a Deus, se não te sentes amado.”

Para compreender os pedidos, adverte que é necessário entender que “mais do que numa época de mudanças encontramo-nos numa mudança de época.” E cita Bertrand Russell: “Entender o mundo actual como é e não como desejaríamos que fosse é o início da sabedoria.”

Vêm então os pedidos. “Peço-vos que me acompanheis a fazer juntos estes dez pedidos em nome de Deus.”

 

1.  Em nome de Deus peço que se erradique na Igreja a cultura dos abusos.

Já aqui escrevi que, para mim, a Inquisição e a pedofilia por parte do clero são a pior catástrofe da Igreja. Francisco lembra que um caso é por si “uma monstruosidade”. Escreve: “As consequências dos abusos sexuais cometidos contra menores e adultos vulneráveis duram anos nas vítimas. Refiro-me a este crime como um homicídio psicológico, porque podem ter consequências irreparáveis na sua saúde mental”, causando “danos físicos, psicológicos e espirituais.”

Não há qualquer desculpa no facto de desgraçadamente os abusos serem um fenómeno historicamente presente em todas as culturas e sociedades e até o maior número acontecer nas famílias; de facto, “cometido por membros da Igreja não é só um crime atroz, é uma ofensa a Deus”.

“Uma das nossas maiores faltas, talvez a mais grave, foi não tomar em conta os relatos e denúncias das vítimas.” Trata-se não só de um pecado, mas de um crime, que se tem o dever de denunciar, colaborando com as autoridades civis. “Neste sentido, acrescenta, já em 2016 estabelecemos que a negligência em casos de abusos é causa para a destituição de bispos.”

Na recente visita a Portugal, Francisco recebeu 13 vítimas, ouviu-as, abraçou-as uma a uma, vergando-se à sua dor. O preceito inquestionável é: “Tolerância zero”, sem esquecer, evidentemente, “o princípio de in dubio pro reo, que não pode ser deixado de lado nem sequer para este tipo de delitos atrozes.”

 

2.  Em nome de Deus peço que protejamos a casa comum.

Penso que, face às catástrofes, incêndios, tempestades, com mortes e consequências desastrosas que se sucedem, até os mais cépticos começam a tomar consciência de que são inegáveis as mudanças climáticas inauditas e a destruição massiva dos ecossistemas, colocando o planeta sob ameaça.

O Papa Francisco tem bem consciência disso, de tal maneira que, se não fosse por muitos outros — tantos, tantos — motivos, ficaria na História pela publicação da sua encíclica “Laudato Sí”, onde surge de modo claro o conceito de “ecologia integral”. “O nosso planeta está em perigo. Nos últimos decénios vivemos sob um sistema voraz, que não só empurrou para as margens do descarte milhões de seres humanos, mas também expôs a limites nunca antes vistos a nossa casa comum, a Mãe Terra.”

É preciso pôr termo a um paradigma socioeconómico baseado na ganância, na avidez, no lucro sem limites para alguns, descartando a outra maior parte e agredindo o ambiente, que está a chegar a limites irreparáveis. Viemos da natureza, que existiu durante a maior parte do tempo sem nós e que, se não mudarmos de rumo, pode acabar connosco. É preciso tomar consciência de que contra este modelo de depredação, “não há planeta B”.

Francisco é consequente, advertindo: “Mas também devemos prestar atenção a posições que defendem a natureza e, ao mesmo tempo, promovem o aborto ou a pena de morte.”

 

3. Em nome de Deus peço uma comunicação que combata as fake news e evite os discursos de ódio.

“Estamos todos obrigados a realizar uma cultura que combata as denominadas fake news ou notícias falsas, que evite os discursos de ódio e se desenvolva num quadro tecnológico que defenda os mais desprotegidos.”

Nunca houve tantas formas de comunicação e informação. As novas tecnologias permitem-no, mas, como tudo o que é humano, é necessário tomar consciência das suas vantagens e aproveitá-las ao mesmo tempo que se impõe perceber os seus perigos e ameaças e evitá-los. Aí estão os discursos de ódio, a calúnia e difamações, os aproveitamentos para enganos de pederastia, o linchamento mediático de pessoas e do seu bom nome, alienação com o uso obsessivo das redes sociais e a ilusão dos likes...

Nunca estivemos tão conectados e cada vez são mais as solidões. É urgente perceber que a comunicação virtual não pode substituir as relações e encontros presenciais. Francisco: “Que protecção podemos assegurar às crianças e aos jovens para que este novo mundo não atente contra o seu crescimento são e a sua vivência tranquila da meninice?”

 

(Continua...)

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 19 de agosto de 2023