EDGAR MORIN – TERRA - PÁTRIA: PENSAR O FUTURO…
Ontem, dia 4 de setembro, Edgar Morin apresentou, com extraordinária vitalidade, apesar dos seus 102 anos, na Fundação Oriente, as suas ideias para o momento presente.
A crise que vivemos resulta da tensão entre “polemos”, o debate entre ideias diferentes, “eros”, enquanto força do amor, e “tanatos” a ameaça da morte. A complexidade obriga-nos a entender um novo humanismo – refletido a partir da diversidade das culturas lusófonas.
A liberdade, a igualdade e a fraternidade têm de ser consideradas na ordem do dia. Tal obriga também a uma ecologia ativa, que não se deixe dominar por um transumanismo quantitativista, no qual a tecnologia prevalece sobre o conhecimento e sobre uma atitude centrada na pessoa humana, na dignidade e no respeito mútuo. A crise planetária, com que lidamos mal, resulta da inexistência de autênticos dispositivos de regulação. A crise global não se resume, assim, a um acidente provocado pela hipertrofia do crédito, a qual não se deve apenas ao problema de uma população empobrecida pelo encarecimento dos bens e serviços, obrigada a manter o nível de vida pelo endividamento.
Edgar Morin aponta o dedo à especulação do capitalismo financeiro nos mercados internacionais (do petróleo, dos minerais e dos cereais) e ao facto de o sistema financeiro mundial se ter tornado um barco à deriva, desligado da realidade produtiva. Patrick Artus e Marie-Paule Virard, no seu livro intitulado «Globalisation: le pire est à venir» (La Découverte, 2008): «O pior ainda está para vir, em resultado da conjugação de cinco características maiores da globalização: uma máquina inigualitária que mina os tecidos sociais e atiça as tensões protecionistas; um caldeirão que queima os recursos raros, encoraja as políticas de concentração e acelera o reaquecimento do planeta; uma máquina que inunda o mundo de liquidez e que encoraja a irresponsabilidade bancária; um casino onde se exprimem todos os excessos do capitalismo financeiro; uma centrifugadora que pode fazer explodir a Europa».
Em suma, as desigualdades que eram consideradas despiciendas afetaram gravemente a eficiência e a equidade, através da fragilização do capital social. A lógica de casino agravou os efeitos de um ciclo especulativo de consequências muito nefastas. Os egoísmos nacionais somaram-se, ainda por cima, a uma falsa consciência ecológica, incapaz de considerar o essencial, cedendo aos grupos de pressão e a perversos interesses.
A crise é, assim, multifacetada: é ecológica, pela degradação da biosfera; é demográfica, pela confluência da explosão populacional nos países pobres e da redução nos países ricos, com desenvolvimento de fluxos migratórios gerados pela miséria; é urbana, pelo desenvolvimento de megapolis poluídas e poluentes, com ghettos de ricos ao lado de ghettos de pobres; é da agricultura, pela desertificação rural, concentração urbana e desenvolvimento das monoculturas industrializadas; é ainda crise da política, pela incapacidade de pensar e de afrontar a novidade, perante a crescente complexidade dos problemas; é ainda das religiões, pelo recuo da laicidade, pelo emergir de contradições que as impedem de assumir os seus princípios de fraternidade universal. Numa palavra, «o humanismo universalista – afirma Morin - decompõe-se em benefício das identidades nacionais e religiosas, quando ainda não se tornou um humanismo planetário, respeitando o elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade humanas».
A ideia fixa do crescimento contínuo e interminável não pode continuar. A evolução das ciências sociais e humanas obriga a entendermos a atual crise como uma via de repensamento – não apenas das circunstâncias económicas e financeiras, mas também das implicações sociais e axiológicas. A persistência nos erros que conduziram à atual situação levará a que os males das ilusões e das aparências se somem à incapacidade de perceber que os recursos escassos e que o meio ambiente estão a ser destruídos irreversivelmente. Tudo tem, afinal, a ver com o facto de o ganho a todo o custo ter substituído na ciência económica a consideração de que é a pessoa humana e a sua dignidade que têm de estar no centro da satisfação das necessidades, já que o que tem mais valor ser o que não tem preço… Temos de ver a sociedade na pessoa e a pessoa na sociedade. As democracias fraquejam, porque subalternizam essa perspetiva humanista, em que a participação e a inclusão de todos se deve ligar estreitamente a um desenvolvimento humano centrado na cidadania ativa.
A incerteza e a diversidade exigem que compreendamos as metamorfoses que correspondem à nossa vida, num diálogo fecundo com a natureza, centrado não da ideia de domínio, mas na autonomia e na solidariedade, na compreensão, na inclusão e no respeito mútuo.