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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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SUL, SOL, SAL – UMA CASA DO MEIO DIA


Falo-vos de uma Editora algarvia, de Loulé!

A última conversa com o meu amigo Manuel Brito, há cerca de uma semana, terminou com a combinação de que avançaríamos nos vários projetos em carteira. Estava um pouco cansado fisicamente, mas não lhe faltava o entusiasmo de sempre. Com votos de melhoras, encontrar-nos-íamos dentro de dias para acertar os pormenores. Por isso, não me perdoaria se hoje fizesse aqui um obituário. O que importaria sempre mais seria o futuro e os novos projetos. Nos vários domínios em que se empenhou ao longo da vida, era um exemplo de competência, de rigor e de solidariedade. Nos últimos anos, tivemos um contacto permanente, na sua função de auditor financeiro. Nunca falhava e estava sempre disponível para as mais complexas tarefas ou para os mais diversos pormenores. Como algarvio dos quatro costados, além da sua principal ação profissional, lançou-se nos últimos anos em dois projetos que o apaixonavam. A editora “Sul, Sol, Sal” e a “Casa do Meio Dia” depressa ganharam a ribalta no campo da criação e das artes e da defesa do património cultural. E insistia em dizer: “o nosso objetivo é editar obras que valorizem a cultura e o património algarvio e façam com que a visão exterior do Algarve saia reforçada e deixe de ser tão negativa… Os projetos que tenho (dizia) não obedecem a critérios financeiros de rentabilidade, vivo do que já trabalhei e com o conforto que considero adequado. O que eu procuro são projetos que sirvam e valorizem o Algarve”. O mesmo entusiasmo tinha com a empresa de embarcações movidas a energia solar, a “Sun Concept”, em cujo desenvolvimento colocava a maior esperança. Mas, como sonhador realista, dizia-me que a “Sul, Sol e Sal” é um “embrião cultural improvável para o Algarve”. E era sua intenção editar obras em várias áreas, em especial nos domínios da história e do património, mas também do urbanismo, da agricultura biológica e da ecologia. Escolheu uma designação quase mágica e como símbolo a maravilhosa canoa da Picada, embarcação veleira de tradição mediterrânica, utilizada até finais do século XIX que, devido à sua rapidez e facilidade de manobra, transportava o peixe vindo do alto mar para chegar às cidades.  A metáfora da pesca milagrosa adaptava-se plenamente à difusão do livro e da leitura. Aliás, logo no início, o saudoso professor Joaquim Romero Magalhães propôs uma “Algarviana Breve”, lembrando Mário Lyster Franco, e projetou a publicação da “Crónica da Conquista do Algarve”, nunca editada, ou dos textos de Raul Proença no “Guia de Portugal”. Essa a linha estratégica de um projeto pleno de virtualidades que envolverá a cooperação da Universidade do Algarve e dos melhores especialistas. Não por acaso, a tónica em que Manuel Brito insistia era que a editora “é um projeto que não procura o lucro, mas tem de ser sustentável”. E o Algarve bem precisa da valorização do que tem de mais rico – as raízes, a economia, a natureza e o desenvolvimento humano. As obras editadas, como “Olhão fez-se a si próprio” do também saudoso António Rosa Mendes, ou “A Pesca no Algarve Medieval” de José Marcelino Castanheira e o texto fundamental de Joaquim Romero Magalhães “O Algarve Económico durante o século XVI” constituem bons exemplos da defesa do património cultural como realidade viva, não numa lógica retrospetiva, mas sempre como conceito em movimento. Por tudo isso, refiro o exemplo de alguém que nos deixa como legado um desafio de responsabilidade, ligando a memória das raízes antigas, o diálogo entre culturas e a necessidade de encarar o desenvolvimento humano como uma ligação permanente entre o conhecimento, a compreensão, a ciência, a educação, as artes e a cultura. Tenho no ouvido a nossa última despedida “até ao nosso próximo encontro”. É duro dizê-lo, mas vamos continuar!


GOM