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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


151. A ORALIDADE, A LITERACIA E O VISUAL 


No princípio era o verbo e a oralidade da palavra falada foi anterior à escrita e ao visual.

Na sua oralidade, a palavra falada é um fenómeno natural, instantâneo, um produto da nossa evolução biológica, podendo nós, humanos, viver sem ler e escrever, por isso mais abrangente que a escrita e o visual.

A palavra escrita e o visual são fenómenos culturais, exigem instrução, destinam-se e propõem-se a vencer o tempo e o espaço, nomeadamente através da imprensa, do livro, do cinema, filmes, séries, documentários.   

Se sempre se entendeu que para se ser civilizado tem de se saber ler, escrever e contar, sendo insuficiente a oralidade, qual o papel que o visual aí desempenha em termos civilizacionais?

Vivendo numa sociedade que converte a vida das pessoas em espetáculo, numa espécie de ecrã global em que a maioria quer aparecer a qualquer custo, projetando o que são na imagem “se não te mostras, não existes”, partilhando a sua vida com todos, via redes sociais, é legítimo questionarmo-nos sobre este modelo societário que secundariza a privacidade em benefício de um narcisismo hedonista e universal, segundo o qual todos têm de estar informados sobre a nossa família, o que comemos, onde estamos, ao sabor do instante num mundo do imediatismo. Porquê? Porque é obrigatório todos terem de estar informados sobre o que fazemos e, cada vez mais, em tempo real?     

Em contra-corrente há o predomínio do intimismo e da privacidade, fomentado pelo aparecimento dos vídeos, dvds, internet, visualizando em casa aquilo que, em tempos idos, só podia ser visto no teatro, no cinema, num ato coletivo e de grupo.

Há que fazer opções, parar e indagar se a vida é vista e memorizada apenas através de uma câmara, se com os olhos e todos os sentidos, se em harmonia e conjugação de esforços recíprocos, tirando proveito do que o real, a memória interiorizada e a matéria memorizada nos ensinam. 

Mas se, na atualidade, o que predomina é o visual, será desejável que haja uma interação permanente entre ele, a oralidade e a literacia, dado que a humanidade começou com a oralidade, dela transitou para a literacia a que acresce, de momento, o visual, em obediência às regras do princípio da totalidade, imprescindibilidade e valores civilizacionais que integram.   

E em abstrato quem vence? Oralidade, literacia, visual?   

Talvez todos e nenhum, na sua autonomia e interdependência recíproca.   

Mas sem escrita, não existiria este texto, pelo que, aqui e agora, neste contexto, vence a palavra escrita.            


22.09.23
Joaquim M. M. Patrício