PARTICIPAR MAIS
O ciclo “Fragilidades das instituições democráticas em Portugal” promovido pela associação Participar Mais, dirigida por Vítor Ramalho, tratou há pouco, com sentido de oportunidade, dos desafios da globalização. Os temas das alterações climáticas, da evolução energética, do envelhecimento, da evolução demográfica, do progresso da medicina, do aumento da esperança média de vida, das migrações, aliados à evolução científica e tecnológica, na qual a inteligência artificial exige uma reflexão aprofundada, constituem exigentes desafios e acrescidas responsabilidades pessoais e solidárias para a humanidade. A importância da participação cívica e da cidadania reveste-se de um significado cada vez mais importante e complexo. A crise da democracia deve-se á indiferença e ao afastamento das pessoas relativamente aos instrumentos de legitimidade social e política.
Infelizmente, a complexidade crescente das políticas públicas tem conduzido ao divórcio entre a cidadania e a política, bem como ao risco da emergência de novas formas de despotismo. Montesquieu nas “Cartas Persas” defendeu a necessidade de se compreender que “só o poder pode limitar o poder”, através da separação e interdependência de poderes, único modo de encontrar freios e contrapesos para evitar a não-democracia. Hoje, porém, para prosseguir o ensinamento essencial do autor do “Espírito das Leis”, temos de aperfeiçoar os instrumentos de legitimação democrática. E quando relemos Alexis de Tocqueville e o seu relatório exemplar sobre a “Democracia na América”, percebemos que, infelizmente, o otimismo que nos transmitiu sobre a importância da sociedade civil norte-americana de então tem sido alvo de preocupantes recuos mercê do desenvolvimento de um perigoso providencialismo e da tentação dos poderes pessoais. Se os fundamentos de Montesquieu e de Tocqueville não podem ser esquecidos, a verdade é que se torna indispensável serem revisitados e reforçados, para que os cidadãos e as instituições possam constituir-se em fatores estruturais e permanentes de um Estado de direito baseado no primado da lei, geral e abstrata para todos, na legitimidade do sufrágio universal, mas também na legitimidade do exercício e na justiça distributiva, também como garante da equidade intergeracional. Daí a importância de uma sociedade civil ativa, atenta, aberta, emancipatória, respeitadora da dignidade humana, capaz de entender a diversidade e a complexidade. Norberto Bobbio defendeu, por isso, a liberdade igual e a igualdade livre, o que constitui não apenas a demarcação relativamente à lógica fechada de muitas redes sociais, mas também a recusa das noções ilegítimas de democracia iliberal e de “pós-verdade”, que mais não são do que a designação eufemística e complacente do abuso e da mentira.
Cabe, assim, salientar que a chave da participação ativa e relevante dos cidadãos pressupõe um contrato social baseado na existência de instituições mediadoras capazes de ligar participação e representação, legitimidade e responsabilidade. De facto, uma sociedade democrática baseia-se nos direitos e deveres fundamentais, na liberdade e igualdade em dignidade e direitos, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A participação cívica não pode confundir-se com violência nem com a tentação da recusa da concertação. E só o reconhecimento da importância mediadora das instituições pode permitir aperfeiçoar a legitimidade do exercício, através da prestação de contas e de accountability. Só consensos duráveis, que ultrapassem os ciclos eleitorais, podem responder às exigências sociais, em nome da coesão e da confiança. A participação eficaz e legítima é a que mobiliza a sociedade civil e permite soluções justas e duráveis. Só assim respeitaremos os desígnios nacionais, com consideração de riscos e incertezas e a tomada de consciência de que os cidadãos têm de contar verdadeiramente.
GOM