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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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PRÉMIO NOBEL PARA JON FOSSE


Quanta alegria recebi através desta notícia! Esta notícia era uma urgência na literatura: uma razão de ser face à imensa luz da escrita de Jon Fosse: poesia pura.

Criou uma forma literária que é só sua aliando uma fantástica riqueza na sua “prosa lenta”, como lhe chama, criando o que se não consegue a não ser neste seguro universo literário da poética.

No seu mais recente livro “Trilogia” a supressão de praticamente todos os sinais de pontuação, geram em nós o espaço-engenheiro que não resiste a apaixonar-se por esta leitura imprescindível.

Parabéns!


Teresa Bracinha Vieira
 

CRÓNICAS PLURICULTURAIS


153. ENIGMAS ENTRE O RACIONAL E O IRRACIONAL


Como foi possível que quando a Alemanha reunia o que existia de melhor no Ocidente, em termos culturais e científicos, quando o génio alemão irradiava civilização e era uma fonte civilizacional, Hitler tenha subido ao poder?   


Escreveu um sociólogo berlinense: “Li mais de dois mil livros, estudos, artigos, monografias consagradas a Hitler e ao fenómeno nazi, quer à sua génese e ao seu desenvolvimento. E o que me ficou foi o sentimento de uma terrível incerteza”, dúvidas que permanecem, partilhadas por muitos.


E a intenção ou a mera ameaça de usar armas nucleares, não pode ser tida como imoral, dado ser ilícita a simples vontade de fazer o mal? Escolher matar inocentes, como um meio para atingir certos fins, não será sempre homicídio ou assassínio? Sabendo que numa guerra nuclear não há vencedores nem vencidos podendo, na pior das hipóteses, conduzir ao fim da humanidade, porque persiste e aumenta a corrida aos armamentos nucleares? 


Indicia-se que ao lado do desejo de viver do ser humano, há um prazer de destruição, não apenas extensivo aos poderosos que exercem o poder empurrando os súbditos para o desastre (como as guerras), mas também por haver sempre maiorias que atingem uma espécie de delírio coletivo sob o efeito de crises económicas, humilhações patrióticas, fanatismos ideológicos, ávidas de messias ou salvadores providenciais, mesmo que estes usem os meios mais pérfidos e maléficos para alcançar fins.


Estamos perante o problema do ser humano em si, traduzível na verdade do seu querer de viver e de destruir, contrariando afirmações frequentemente expressas de que apenas uma minoria de poderosos pretende forçar-nos para as guerras, enquanto todo o resto da humanidade está em divergência. O dramaturgo alemão Heinar Kipphard, autor da peça “O Caso Oppenheimer”, afirmou: “Sobre a terra não vive só gente que não quer matar nem ser morta, infelizmente também vive outra que quer matar e ser morta”. Brecht, por seu lado, a propósito de capacetes de aço, disse: “A hora da nossa amarga derrota não foi aquela em que os capacetes de aço nos foram arrancados, mas sim aquela em que os pusemos, obedientemente, na cabeça”


São enigmas, entre outros, de natureza estrutural e permanente, geradores de incerteza quanto à condição humana, que nos interpelam e chamam a atenção para a constatação de que o nosso comportamento, pessoal e coletivo, tem também uma forte componente irracional, que foge à norma do que temos por bom senso e racional, havendo que saber distinguir entre o que a teoria ensina e o que a nossa experiência observa com os olhos, tantas vezes não sensível a soluções de bem-pensantes, embora necessário continuar à procura de melhores respostas, tal como o dever do médico ao tentar salvar a vida do doente mesmo que saiba que não vai sobreviver.  


06.10.2023
Joaquim M. M. Patrício