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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


No filme ‘Le Genou de Claire’ é exatamente neste sítio, justamente no verão, que se permite o fluir incerto do conhecimento de um eu.


No filme ‘Le Genou de Claire’ (Eric Rohmer, 1970) o espaço exterior físico manipula e influencia a vida das personagens. O espaço exterior é assim entendido como um campo de mútua interação entre a esfera espiritual e a esfera material.


A história deste filme só existe porque se dá naquele determinado lugar e naquele preciso momento. Abre-se numa porção vaga e desocupada do tempo. Jérôme aceita as regras de Aurora para justificar o seu amor fiel e verdadeiro a Lucinde. Na opinião de Carlos F. Heredero e Antonio Santamarina, Aurora, é a verdadeira narradora desta história ao conduzir as cegas acções de Jérôme. É o carácter demiurgo de Aurora que transporta Jérôme para momentos de escolha. É através de Aurora que Jérôme se fragmenta e se transforma em corpo que sente sem restrições. É um momento de prova, de resistência e de decisão para Jérôme de modo a encarnar algo sublime.


Em ‘Le Genou de Claire’, a película foi filmada cronologicamente de modo a proporcionar uma acentuação das verdadeiras e objetivas variações e instabilidades do tempo e do espaço que se refletem nas personagens. As montanhas, o lago, as cerejeiras, o sol, a chuva, as diferentes horas e a distinta luz contribuem para explorar o movimento aleatório que permite o advir da reflexão e da narração. C. G. Crisp, no livro “Eric Rohmer. Realist and Moralist.”, escreve que nos filmes de Rohmer, a moral parece originar-se natural e inevitavelmente de uma observação objectiva do mundo, em vez de ser uma ordem imposta a esse mundo: “the world must seem to generate the ideology, rather than the ideology the world.” (Crisp 1988, 34). 


Deste modo, apesar das tentativas permanentes do narrador em controlar as circunstâncias exteriores, este filme de Rohmer é meteorológico porque parece estar constantemente dispostos à mudança e ao acaso. São os lugares que ajudam a construir as personagens de Rohmer. É precisamente junto do lago Annecy que Jérôme se vai construindo e se marginalizando. O filme faz crer que é exatamente neste sítio, justamente no verão, que se permite o fluir incerto do conhecimento de um eu (lugar de reflexão) através do inesperado confronto com os outros (lugar de relações humanas).


“Rohmer’s Moral Tales should deal with the unstable, the relative - as must any narrative - and that the ‘pre-destined beloved’ should be more or less absent from the films. Love, in this reading, is ’something else’ - or rather ‘somewhere else’ - it is outside time and outside narrative. Only the digression from that state, only the sensual desire with its implication of movement and process, can let itself be told.” (Crisp 1988, 66)


Ana Ruepp