Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A EUROPA E A ESCOLA


Os programas e os currículos escolares não podem ser confundidos com árvores de Natal, onde há sempre lugar para um novo elemento, tema ou matéria julgados de interesse. Importa seguir as reflexões antigas de grandes pedagogos, segundo as quais há a respeitar um núcleo fundamental, claro e limitado de objetivos e matérias, já que como disse Montaigne é preciso privilegiar uma cabeça bem feita, em lugar de uma cabeça bem cheia. Compreende-se a tentação de sermos mais abrangentes, mas é indispensável que uma escola seja um lugar de partilha de saberes e responsabilidades, de modo a abrir horizontes, mais do que criar um gabinete de curiosidades de cultura geral. John Dewey ou António Sérgio ensinaram-nos, por isso, a colocar a tónica no exemplo e na experiência. A escola não existe para a vida futura, mas para garantir desde já uma cidadania inclusiva, envolvendo todos. Participei em Paris numa reflexão sobre a Europa e a escola, a propósito da atribuição do prémio do livro do ano para melhor compreender a Europa a Caroline de Gruyter, dos Países Baixos, autora da obra Monde d’hier, monde de demain, un voyage à travers l’empire des Habsburg et l’Union Européenne (Actes Sud, 2022), com o apoio do Instituto Jacques Delors – “Notre Europe”. A experiência de um império de diversas línguas, povos, nações, religiões e territórios, a ponto de o lema dos Habsburgos ser Austriae Est Imperare Orbe Universo, AEIOU, constitui hoje uma lição histórica para prevenir vicissitudes e riscos de uma realidade muito complexa. De facto, a experiência europeia deve ser lida à luz não de uma lógica formal ou utópica, mas de instituições mediadoras capazes de criar soluções duradouras de paz, desenvolvimento e sustentabilidade. Mas, como foi afirmado no debate, a consciência europeia não se constrói pelo estudo abstrato e meramente formal das instituições comunitárias, mas pela mobilização dos jovens cidadãos em iniciativas concretas.


Recordo o facto de no Ano Europeu do Património Cultural (2018) ter sido possível envolver as redes de bibliotecas e centros de recursos escolares em iniciativas que permitiram a cada escola a escolha não só de um exemplo do património local, material ou imaterial, um monumento ou uma tradição, mas também de uma referência de outro Estado. Deste modo, o diálogo entre diferentes escolas e situações permitiu uma partilha, na qual cada comunidade poderia não só conhecer-se melhor, mas também conhecer as experiências dos outros. E assim o património cultural permitiu realizar experiências concretas de cidadania ativa, juntando a um tempo exemplos, princípios e valores. Ao invés da lógica nacional, fechada sobre si, pôde ganhar-se com o aprofundamento da identidade e das diferenças. E a defesa do património cultural, abriu pistas para a memória, o meio ambiente e o conhecimento da evolução da história e da cultura, no entendimento de que a paz exige a consideração da conflitualidade e da respetiva regulação.


O desenvolvimento humano obriga, assim, a garantir uma cidadania inclusiva, que fundamente a “republica escolar”, baseada na liberdade, na igualdade e na responsabilidade, em que haja participação e subsidiariedade, que reconheça as diferenças, o papel do outro e aproxime a realização do bem comum respeitante às pessoas concretas e à sociedade civil. Num cenário com duas guerras às portas do nosso continente, temos de desenvolver os fatores de coesão e de confiança, precisamos dos outros, procurando consensos duráveis. Como Jacques Delors afirmou no relatório sobre o futuro da educação, que coordenou para a UNESCO, é indispensável respeitar quatro pilares nesse tesouro escondido que é a aprendizagem: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. A Europa na escola, como a cidadania, não podem ser, assim, referências teóricas, têm de ser fatores de compreensão e de ação.


GOM