Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Há em todas as coisas uma mais-que-coisa fitando-nos como se dissesse: “Sou eu”, algo que já lá não está ou se perdeu antes da coisa, e essa perda é que é a coisa. Em certas tardes altas, absolutas, quando o mundo por fim nos recebe como se também nós fôssemos mundo, a nossa própria ausência é uma coisa. Então acorda a casa e os livros imaginam-nos do tamanho da sua solidão. Também nós um dia tivemos um nome mas, se alguma vez o ouvimos, não o reconhecemos.
in Como se desenha uma casa, 2011
Things
In everything there’s a more-than-thing staring at us as if saying: ‘It’s me’, something that’s no longer there or was lost prior to the thing, and that loss is the thing. In certain high, absolute afternoons when at last the world welcomes us as if we too were the world, our own absence is a thing. Then the house awakens and the books imagine us on the scale of their own loneliness. Once we too had a name but, if ever we heard it, we did not recognise it.
A PALAVRA DE JOÃO BÉNARD DA COSTA ANTIGAMENTE, A ESCOLA (II)
1. A minha última crónica acabou algo abruptamente. A verdade é que não expliquei as razões que me levaram ao reitor do Camões. Prometi, logo a abrir, que o faria "mais adiante". Mas ia tão lançado que, quando cheguei ao tal "adiante", já não tinha tempo e, sobretudo, já não tinha espaço. É o mal (ou o bem) das "conversas fiadas". Já experimentaram, no fim de uma noite delas, recapitular o percurso, contando os atalhos, os desvios e as encruzilhadas? Se fosse só misturar alhos com bugalhos, ainda nos podíamos agarrar às rimas, mesmo que nos tivéssemos agarrado onde não devíamos. Mas as livres associações são muito mais subtis, como sabemos desde os tempos do Dr. Freud, do jogo dos cinco cantinhos e dos "cadáveres esquisitos". Se há quem seja perito em levar a água ao seu moinho, a maior parte já perdeu o moinho, quando a água lá chegou. E só não continuo para não me acontecer segunda vez a mesma coisa. À primeira qualquer cai, à segunda cai quem quer.
2. A verdade é que a nascente que me levou ao reitor, ao Camões e aos meus 16 anos foi um excelente artigo de M. Fátima Bonifácio, chamado "Mais dinheiro para a educação?" (PÚBLICO, 15 de Agosto de 2004). A autora é das que não se deixam levar pelas ondas das paixões dos engenheiros Guterres e Sócrates. Como ela bem disse: "Reformas e dinheiro, de nada serviram." Tem carradas de razão. Mas houve uma confissão que me deixou pensativo. É quando ela, recordando os 25 anos que leva de professora de História numa universidade de Lisboa, afirma: "Convenci-me ultimamente de que o panorama não melhoraria significativamente nem que os programas e os professores fossem todos excelentes." Fiquei a matutar na convicção recente de M. Fátima Bonifácio. Terá ela razão ao dizer que professores "todos excelentes" e bons programas não fariam bulir nem uma folha no "panorama"? Comecei a pensar no meu caso, quer como aluno, quer como professor. E assim me lembrei de um professor (reitor até, no caso) que mudou, plausivelmente, o curso da minha vida. Fátima Bonifácio dir-me-á (ou dir-me-ia) que faço batota. A história que eu contei passou-se há mais de cinquenta anos e na escola do antigamente. É incomparável. Ela própria sublinha que "em tempos tive alunos que são hoje meus colegas e académicos brilhantes. Essa raça desapareceu". Tanto eu como ela - ela muito mais nova - faríamos parte de uma raça em vias de extinção. Provavelmente é mais lúcida do que eu e, além disso, é professora, coisa que eu deixei de ser há muitos anos. Mas, mesmo descontando a história do meu reitor (e dos meus tempos), continuei cogitativo.
3. Fátima Bonifácio não traça qualquer panorama idílico da escola de outras eras e tenho boas razões para pensar que não é essa a visão dela. Mas, quando tanto se fala em professores de vinho e rosas, eu comecei a fazer as minhas contas e, ao longo dos meus oito anos de liceu (o que então se chamava ensino secundário), não contei mais do que seis professores a cuja memória me abrigue. Nomes? Venham eles: Maria Manuel Barroso, que foi minha professora de Português do 1º ao 3º ano e me ajudou a saber ler e escrever, além de, involuntariamente, me ter ajudado a saber que os bebés não vinham de Paris (não fui nada precoce nessa matéria); Oliveira Simões, que foi meu professor de Ciências Naturais nos 3º e 4º anos e que, além do quartzo, feldspato e diamante, me ensinou a não descer as escadas com as mãos nos bolsos; Carlos Miguel, que foi meu professor de História no 4º ano e me levou da Batalha de Hastings à Invencível Armada, com crescente fervor; Alberto Beirão, que foi meu professor de Matemática no primeiro 5º ano e, apesar da minha confrangedora ignorância na matéria, me fez pensar em mais do que na morte da bezerra nas aulas dele; Amália Borges, que no mesmo 5º ano me revelou que eu tinha sangue francês nas veias, aproveitando-o para me pôr a falar e a ler a única língua estrangeira em que me exprimo à vontade; Gaspar Machado que, nos 6º e 7º anos, em Literatura Portuguesa, me revelou Fernão Lopes e Bernardim, e me levou de "O céu, a terra, o vento sossegado" ao tempo em que "caem co'a calma as aves". Estes são os senhores e as senhoras em que os olhos ponho, quando "me desponho /e me quero afirmar se foi assi". O resto, mais ou menos ignorante, foi de fugir ou serviu para amenas cavaqueiras que, nos melhores casos, disfarçavam a pouca pachorra que tinham para preparar qualquer aula. Na universidade, estive três meses em Direito. Confirmo a merecida reputação de Marcello Caetano, mas dos outros nada recordo. Arrepiei caminho e passei para Letras (Ciências Histórico-Filosóficas, assim se chamavam então). Delfim Santos, Vieira de Almeida, Mário Chicó, Virgínia Rau, são nomes a escrever com letra grande e "happy few" devem imenso a Ribeiro Soares, quando ele e esses "few" partilhavam gostos singulares. Mas dos outros (estava-me a esquecer e não devia de Ferreira de Almeida), sobretudo no que tocava à Filosofia, quem não saiba é melhor nunca ter experimentado. Era nossa convicção (nossa, dos alunos) que deviam a cátedra ao estado disto, pois que a qualquer sabedoria ou inteligência não a deviam certamente. O saudosismo atual é muita bondade nossa, ou muito má memória. Embora seja verdade que, na mesma Faculdade e nos mesmos anos, coexistiram com Nemésio e Lindley Cintra, com Orlando Ribeiro e com o Padre Manuel Antunes, que, infelizmente, não foram meus professores. O caso do prof. Francisco Vieira de Almeida é bem paradigmático. Regia a cadeira de Lógica. Para ele, esta ou era lógica matemática ou era uma batata (ou uma batota). Perante alunos que, em 99 por cento dos casos, tinham ido para Letras por horror à matemática, de que ignoravam os mais rudimentares elementos (nessas aulas, a situação não era muito diferente da descrita por Maria de Fátima Bonifácio), que fazia ele? Não perorava sobre Lógica, mas conversava brilhantemente sobre os mais diversos assuntos. Quem se interessasse em segui-lo, não ficava a saber de matemática, mas descobria como era "ilógico" o mundo em que se movia e as coisas que se aprendiam. A gramática era, logicamente, um dos seus terrenos de eleição. Jamais esquecerei a história do rapazinho de 10 anos, convidado a dividir orações num texto que começava assim: "Rui e o irmão entraram para o velho calhambeque do pai." O miúdo obedeceu: "Raul e o irmão entraram para o velho calhambé", primeira oração. "O quê?", berrou a atónita professora. "Nunca se passa por cima dum 'que'", papagueou o miúdo, ufano. "Ah, meus senhores", exclamava deliciado Vieira de Almeida, "se eu fosse examinador, o rapaz tinha logo 20." Vieira de Almeida, ele, pelo menos quando lhe fui aluno, não dava mais do que 11 nem menos do que 10, fora casos excecionalíssimos. Chumbar não valia para nada, 11 lá ajudava a perpetuar calhambeques.
4. Da minha experiência como professor, que durou cinco anos, entre 1959 e 1964 (experiências posteriores, como professor universitário arregimentado, não me servem, porque foram pescatos de ocasião em que eu me meti, para mal dos meus pecados, a 10 por cento), não me ficou ideia muito diferente sobre o nível geral dos então meus colegas. É certo que os havia excecionais (do Camões, recordo eu Mário Dionísio, Vergílio Ferreira, Marina Pestana), mas os alciões não fazem verões, nem primaveras. Frio, frio, era o que havia á minha volta. Só que estes raros exemplos me convenceram (como outros que doutra maneira me ensinaram) que, se todos os professores fossem como eles, a paixão dos engenheiros teria razões de ser. Posso ser muito parcial mas acredito que, se a formação de professores (tema dominante do pensamento de homens como, por exemplo, Delfim Santos) tivesse sido levada a sério e feita a sério, não se tinha chegado onde se chegou. Poesia? Preconceito? É bem possível e não vim aqui polemizar, caso em que esta crónica seria bem fruste. É que mesmo nas tais esporádicas "experiências" recentes (anos 90) eu nunca vi, diante de mim, as tais "máscaras de apatia". Ignorância, sim, imensa, acompanhada, em gerações mais recentes, pela arrogante ignorância dessa própria ignorância, o que é a mais explosiva mistura que imaginar se possa. Mas a apatia pode ser vencida e, daí ao resto, há um passo possível. George Steiner contou, algures, o que lhe aconteceu numa universidade americana, onde deu um curso de Literatura Comparada no férvido ano de 68. Os colegas explicaram-lhe o que se estava a passar e tentaram dissuadi-lo. Primeira aula e um barulho dos diabos, com os mimos da moda. Steiner conseguiu o silêncio suficiente para que eles o ouvissem dizer isto: "Eu estou aqui para vos ensinar algo de que vocês não sabem nada e de que eu sei tudo. Proponho-me inverter a proposição a vosso favor." A acreditar nele, nunca curso nenhum lhe correu tão bem. Mas, como é evidente, o milagre só aconteceu porque ele sabia mesmo tudo e não estava a viciar o jogo. Se não soubesse, jamais o conseguiria. Como o não conseguiria se se pusesse a trabalhar "em grupos", a adular os néscios ou a fingir que eram eles quem o devia ensinar.
5. Aqui há uns anos, esteve em Portugal o prof. Mel Ainscow, da Universidade de Manchester, para cheirar um bocadinho dos perfumes reinantes. Para lá de muitas outras, duas coisas o deixaram particularmente estupefacto: que as escolas ou os liceus não tivessem "um" diretor ou "um" reitor ("um" responsável em suma) e que o corpo docente andasse numa jigajoga, escola aqui, escola acolá, sem se fixar num único estabelecimento. Como se sabe, foi "conquista de Abril" acabar com os reitores e substituí-los por um órgão colegial eleito "interpares", em que os eleitos são obviamente quem mais facilita a vida aos eleitores. Todos se protegem mutuamente. Também foi "conquista de Abril" a "rotatividade" do corpo docente. Nunca nenhum ministro, nunca nenhum responsável, reparou nisto? É evidente que reparou. Mas não parou. Porque, se o fizesse, teria contra ele o omnipotente Sindicato dos Professores, com recurso fácil à arma suprema, chamada greve. Não há nada que os pais mais temam, e as autoridades também, que meninos à solta e sem o merecido descanso das aulas. De modo que nos santinhos (os professores) não se toca nem com uma flor. Ou tocam os alunos, mas isso até ajuda a tornar as aulas mais "participativas". Foi assim, e com os programas escritos em "pretoguês", aprendidos em "estruturalês" e em "linguês" que se chegou até ao que Maria de Fátima Bonifácio descreve. E vai ser pior, muito pior. É só esperar mais uns aninhos, gastar muito mais dinheiro, fazer muitas mais reformas, ter muitas mais paixões, e esperar que Maria de Fátima Bonifácio e a geração dela passem também e sejam substituídas pelos alunos delas. "Encore un effort..."
João Bénard da Costa 27 de agosto 2004, in Público
1.À medida que a taxa de natalidade diminui nos países mais desenvolvidos, o envelhecimento aumenta e a solidão se instala, os animais de estimação são tratados como filhos, em especial os patudos e os felinos. Há um processo de humanização em que se transfere para animais de companhia rituais e tradições outrora uma demonstração de amor pelos filhos, desde lojas e secções especiais de produtos para alimentação, higienização, vestuário e acessórios, carrinhos de bebés adaptados para passeios, viagens de avião, festas de aniversário, cerimónias religiosas, orações e rezas de vida sã ou fúnebres, serviços de cremação e uma panóplia de utensílios instrumentais e necessários para acompanharem a vida das pessoas que os amam. Não surpreende haver cada vez mais pessoas que se abstêm de comer animais, em especial os de quatro patas, nomeadamente cães e gatos, incluindo coelhos, o porco e pássaros comestíveis. Emblemático é o Japão, onde a baixa de natalidade está em mínimos históricos e o envelhecimento se acentua, com um implemento das bênçãos dedicadas aos animais de estimação, como o ritual Shichi-Go-San, que significa Sete-Cinco-Três em japonês, anualmente celebrado e tradicionalmente destinado a crianças dessas idades, onde cada vez mais cães e gatos (especialmente cães) são aceites, vestidos com quimonos, num santuário e altar do cão e do gato, levados pelos donos, onde estes rezam e aqueles recebem uma bênção de um sacerdote xintoísta. Sem esquecer os usos fúnebres, em templos budistas, pois que se tais animais têm importância na vida diária de tantas pessoas, anos e anos, é importante para eles fazer um ritual de passagem, pagando por esses serviços. Este humanitarismo, defensor do respeito por todos os animais, tem como figura cimeira, no ocidente, São Francisco de Assis (protetor dos animais e de toda a natureza), razão pela qual no dia da sua celebração há países onde os bichos de estimação recebem a sua bênção, desde logo de religiosos franciscanos.
2. A visão ecologista de respeito pela natureza integra o respeito por todos os seres que são parte integrante do mundo natural, o que impõe a regra de respeitar e tratar bem os animais, sendo tida a sua defesa, cada vez mais, como uma extensão da dos direitos humanos, tendo-se como uma conduta humanista o defender aqueles que são incapazes de defender os seus próprios direitos. O que vai ao arrepio dos que entendem que os direitos humanos nascem da ação racional do ser humano, o que exclui pessoas incapazes do exercício de direitos, como bebés, deficientes, pessoas com Alzheimer, Parkinson, bem como os animais. Porém, quanto aos animais, respeitá-los e tratá-los bem não acarreta que se abdique duma hierarquização mínima de valores, entre o que é humano e os outros seres, mesmo para quem argumenta que a capacidade de sofrer e sentir pode ser razão para ter direitos iguais aos humanos (por extensão aos animais). Só que, perguntam outros, porque não têm deveres iguais, começando pelo dever de pagar impostos, sempre pagos por humanos, mesmo quando incidem sobre cães ou gatos de que são donos? A verdade é que a solidão humana é compensada ou suprida, crescentemente e em especial nas sociedades mais desenvolvidas e urbanas, pela posse de animais de companhia, posse essa que, quando compulsiva, é censurável, podendo, por um lado, significar tê-los como coisa nossa em termos absolutos e, por outro, manifestar uma conduta de presunçosa superioridade ao priorizá-los sempre se em conflito com os humanos. Há que saber equilibrar essa demonstração de amor e de humanização pelos animais de estimação, mesmo que nos ajudem nas horas de solidão e do nosso envelhecimento, como no poema Cão, em Esta voz é quase o vento, de José Agostinho Baptista:
A compreensão de que se podem assumir todas as direções, todos os estados supremos da experiência que descobre um sítio em que é possível encontrar algo, tal como o distinguir-se o que antes não era possível, revela o quanto somos um lugar de passagem ao qual o desafio do salto se nos propõe.
Talvez não consigamos muito, mas no centro da nossa opção há sempre uma outra opção.
Inventamos lugares para nós, sobretudo quando não estamos em lugar algum, e eis a substância da máscara que nada repete igual e é equivalente ao ser, afinal.
E
Alegria!, alegria!,
os lírios de água tão pastores indistintos no novo ano,
O tema da Educação é muito sério e obriga à criação de consensos duráveis nas sociedades modernas. Lembramos o que defendeu Knut Wicksell (1851-1926): uma sociedade civilizada não pode definir as políticas de longo prazo, como a da aprendizagem de qualidade, ao sabor das modas, dos ciclos eleitorais ou dos discursos dos demagogos. Tem de haver um contrato durável. O objetivo mundial da UNESCO “Educação para todos” é de realização difícil, sobretudo quando consideramos a totalidade da população, sabendo que o ensino obrigatório abrange hoje todos jovens pelo menos até aos dezoito anos de idade. A recente publicação dos resultados do PISA tem suscitado muitos comentários. São legítimas todas as preocupações, mas há muitos argumentos fáceis e falaciosos que pouco ajudam à resolução do problema. Se temos que dignificar os professores e os educadores, não podemos limitar-nos ao debate corporativo. E esclareça-se o seguinte: é essencial haver comparações internacionais que considerem as situações reais existentes na educação e formação. Os resultados desses estudos devem ponderar os contextos complexos em que se inserem, sendo as grandes tendências objeto de rigorosa avaliação. Nesta oitava ronda do estudo da OCDE sobre o desempenho dos alunos de quinze anos de idade, temos sinais diversos que devem ser ponderados com muito rigor. Agora, houve consequências diretas da pandemia e do confinamento, sentidos por todos, mas houve outros fatores estruturais que estiveram presentes, e que temos de conhecer.
O exercício foi realizado em março de 2022 por 690 mil estudantes de 81 países e regiões do mundo, dos quais 34 fazem parte da OCDE, e ocorreu em circunstâncias especiais, que levaram ao adiamento por um ano do exercício. No entanto, os motivos de preocupação são reais. No caso português, temos de olhar as nossas dificuldades específicas, não correndo o risco de menosprezar elementos já conhecidos, respeitantes à deficiente qualidade dos desempenhos. Não podemos estar satisfeitos. E o certo é que a avaliação educativa obriga à consideração de vários elementos, não podendo reduzir-se a um só método e critério. Eis por que não podemos tirar conclusões com base nos valores circunstanciais. Temos, sim, de partir das alterações verificadas para saber a razão das mesmas. Havendo novos riscos, por que razão houve consequências negativas? Desvaneceram-se anteriores sinais positivos? De facto, continua a haver muito trabalho por fazer, de modo a garantir uma avaliação séria das aprendizagens. E temos de manifestar insatisfação pela situação atual, inserindo a sua análise no caminho percorrido. Em 1974 tínhamos 25% de analfabetos, sendo a escolaridade obrigatória de 6 anos, tendo passado a 9 anos apenas no ano de 1986. O abandono escolar foi gradualmente reduzido, mas os bloqueamentos não se desvaneceram subitamente. A utilidade do PISA e da cooperação com a OCDE é indispensável, mas essa análise corresponde apenas a uma parte do problema. A avaliação do sistema educativo é insuficiente entre nós e para ser eficiente deverá abranger as escolas, os professores e educadores e os estudantes. A qualidade educativa afere-se, de facto, na relação entre a escola, a família e a comunidade. Eis por que este debate não pode ser simplificado. Não há receitas mágicas, e quem disser que as tem, mente. John Dewey ensinou-nos que a escola faz parte da vida. As sociedades formadas por pessoas livres, iguais e diferentes, devem ser realidades abertas, civilizadas e respeitadoras dos direitos fundamentais. Por isso, toda a educação terá de ser para a cidadania. E John Locke ensinou-nos que não há modelos perfeitos de escola. A vida humana precisa de exigência e de ar puro. E os consensos são indispensáveis para que ninguém fique excluído e para que a qualidade resulte da convergência natural dos esforços dos cidadãos.
Pascal entregou-se totalmente a Deus e doou os seus bens aos pobres. Em 1654 teve uma experiência extraordinária, mística, com o Deus vivo, de tal modo marcante que a descreveu e guardou escrita em segredo cosida no forro do casaco, tendo sido descoberta depois da morte por um criado. É o famoso Memorial:
"Ano da graça de 1654, Segunda-Feira, 23 de Novembro, dia de São Clemente, papa e mártir, e de outros no martirológio. Véspera de São Crisógono, mártir, e outros. Das dez horas e meia da noite, mais ou menos, até mais ou menos meia-noite e meia. FOGO. Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob, não dos filósofos e dos sábios. Certeza. Certeza. Sentimento. Alegria. Paz. DEUS de Jesus Cristo. Deum meum et Deum vestrum (Meu Deus e vosso Deus). "O teu Deus será o meu Deus". Esquecimento do mundo e de tudo, menos de Deus. Ele não se encontra senão pelas vias ensinadas no Evangelho. Grandeza da alma humana. "Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu conheci-te". Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria. Separei-me dele. Dereliquerunt me fontem aquae vivae. Meu Deus, abandonar-me-eis? Que eu não me separe de ti eternamente. Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo. Jesus Cristo, Jesus Cristo. Eu separei-me dele, fugi dele, reneguei-o, crucifiquei-o. Que eu nunca me separe dele. Ele só se conserva pelas vias ensinadas no Evangelho: Renúncia total e doce. Submissão total a Jesus Cristo e ao meu director. Alegria eterna por um dia de exercício na terra. Non obliviscar sermones tuos. Ámen."
Pascal foi sempre crente, mas entendendo cada vez mais profundamente que só em Deus, no Deus vivo, o Deus de Jesus, o homem encontra a resposta para a sua tensão constitutiva e a verdade e o sentido pleno para a existência.
Foi uma experiência mística. Mas a fé tem de ser acompanhada pela razão, como diz em muitos textos. "Conhecemos a verdade não só pela razão, mas também pelo coração. "Miséria do homem sem Deus. Felicidade do homem com Deus." "Os homens têm desprezo pela Religião. Têm-lhe ódio e temem que seja verdadeira; para curar isso, é preciso começar por mostrar que a Religião não é contrária à razão, mas venerável, e digna de respeito. Torná-la em seguida amável." "Submissão e uso da razão: é nisso que consiste o verdadeiro cristianismo." "Se tudo submetermos à razão, a nossa religião nada terá de misterioso e de sobrenatural. Se contrariarmos os princípios da razão, a nossa religião será absurda e ridícula." "Há poucos cristãos verdadeiros. Digo o mesmo na questão da fé. Há muitos que crêem, mas por superstição. Há muitos que não crêem, mas por libertinagem, há poucos entre uns e outros. "A piedade é diferente da superstição."
Pensando concretamente nos libertinos, deixou o famoso pari (aposta). Como reza a aposta pascaliana em termos simples? Cito.
"Deus existe ou não existe. Para que lado nos inclinaremos? A razão não o pode determinar: há um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa distância infinita, joga-se um jogo em que há-de sair cruz ou coroa. Em que apostareis? É preciso apostar. Não é coisa que dependa da vontade. Já estais embarcados. Que escolha fareis? Já que é preciso escolher, vejamos o que menos vos interessa. Tendes duas coisas a perder: a verdade e o bem; e duas coisas a empenhar: a vossa razão e a vossa vontade, o vosso conhecimento e a vossa bem-aventurança; e a vossa natureza tem de evitar duas coisas: o erro e a miséria. A vossa razão não será mais lesada por escolherdes uma coisa de preferência à outra, pois é forçoso escolher. Eis um ponto assente. Mas a vossa felicidade eterna? Ponderemos o ganho e a perda, escolhendo a cruz que é Deus. Ponderemos estes dois casos: se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, não perdereis nada. Apostai, pois, que Deus existe, sem hesitação. Há uma eternidade de vida e de felicidade. Há nisto uma infinidade de vida inteiramente feliz a ganhar, uma probabilidade de ganhar contra um número finito de probabilidades de perder, e o que jogais é finito. A nossa proposição tem por si uma força infinita, quando há o finito a arriscar num jogo onde há iguais probabilidades de ganho ou perda, e o infinito a ganhar. Que mal vos poderá acontecer tomando tal partido?" Mesmo em relação a esta vida terrena, o que perdereis? Nada. Pelo contrário, ganhais. Porquê? "Sereis fiel, honesto, humilde, reconhecido, benfazejo, amigo, homem de bem, sincero, amigo de verdade. Com efeito, não ficareis no meio dos prazeres empestados, com a glória, com as delícias, mas não tereis outras delícias? Digo-vos que ganhareis até nesta vida, e que, a cada passo que derdes neste caminho, vereis tanta certeza de ganho, e tanta nulidade naquilo que arriscais, que reconhecereis, por fim, ter apostado numa coisa certa, infinita, pela qual nada haveis dado."
"Oh! Este raciocínio transporta-me, arrebata-me, etc. " "Se vos agrada e vos parece forte, sabei que ele é feito por um homem que se pôs de joelhos antes e depois, para pedir ao Ser infinito e sem partes, ao qual submete tudo o que é seu, que submeta também o que é vosso para vosso próprio bem e para a sua glória, e que assim a força se concilie com essa baixeza" (de ajoelhar).
A sua última oração, antes de morrer: "Que Deus nunca me abandone!"
“A Bíblia Tinha Mesmo Razão?” de Francisco Martins, S.J., publicado por Temas e Debates, constitui um precioso e fundamental roteiro sobre os grandes marcos do Antigo Testamento.
A PRUDENTE INTERROGAÇÃO
As histórias de Israel e Israel na História levam-nos à investigação de um competente jesuíta que permite uma análise cuidada sobre a verosimilhança dos acontecimentos fundamentais do Antigo Testamento. Em 1955, o jornalista e ensaísta alemão Werner Keller escreveu uma obra que deu brado. Referimo-nos a “E a Bíblia tinha razão”, livro que se propunha mostrar que as descobertas arqueológicas disponíveis confirmavam a veracidade dos relatos bíblicos. O que muitos consideravam mito, lenda ou referência ilusória tinha acontecido de facto, e era possível prová-lo cientificamente. E assim a conquista de Canaã, relatada no livro de Josué, ou a fundação do reino de David, a quem sucederia Salomão, segundo os livros de Samuel e dos Reis, corresponderiam a acontecimentos cuja memória podíamos confirmar com provas históricas. O mesmo afirmava Keller relativamente ao dilúvio universal, relatado no Genesis, às dez pragas do Egipto, referidas no Livro do Êxodo, ou no surgimento do Maná do deserto… Importaria encontrar indícios naturais que pudessem confirmar a memória longínqua desses acontecimentos, como a ocorrência de uma grande inundação na foz do rio Eufrates ocorrida cerca de 4000 antes de Cristo, cujas marcas eram encontráveis, ou a decisão do Faraó de deixar partir o povo judeu, o que só poderia explicar-se sob o efeito de uma ameaça sem dúvida avassaladora. Já quanto ao Maná do deserto, Keller encontrou como explicação as secreções de um inseto-escama que se alimenta da seiva dos tamariscos… A partir desta obra, Francisco Martins S.J., professor de literatura bíblica na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma, apresenta-nos uma investigação que, segundo um método diferente, transformou a afirmação de Werner Keller numa pergunta, procurando investigar o que podemos saber sobre a história do povo judeu, que nos legou na Bíblia o relato do que o marcou e lhe deu uma identidade própria. Urge, assim, responder às perguntas que devem animar um estudo sério sobre o tema, desde as condições sociais que promoveram o surgimento da realidade coletiva, até à compreensão de como se afirmou a expressão política dessa identidade, nos séculos que correspondem ao período do Antigo Testamento. Trata-se, no fundo, de compreender melhor, corrigindo anacronismos e sem forçar os acontecimentos, qual a relação entre a Bíblia e a História. Foi esse o caminho seguido pelo investigador, e o certo é que os leitores são largamente beneficiários de tal método e da atitude crítica.
UMA ATITUDE CRÍTICA
Em vez de responder sim ou não à pergunta do título, o que empobreceria a nossa compreensão sobre o perfil e o horizonte da literatura bem como sobre a reconstrução histórica, deveria partir-se do texto bíblico para uma análise crítica das circunstâncias do mesmo. Podemos compreender, assim, a linha do tempo que ela acompanha. Daí explicar-se que Frei Bento Domingues, O.P. tenha afirmado ser este livro o melhor dos presentes de Natal. Seguindo um caminho cronológico, deparamo-nos com o período das origens, desde Abraão até à época dos Asmoneus; depois estão em causa os relatos patriarcais e as dúvidas sobre quais as razões para o caráter tardio das composições literárias sobre os patriarcas, com forte risco de anacronismo e mistérios por resolver. “Envoltas em ‘roupagem’ literária do primeiro milénio a. C., as histórias de Abraão, Isaac, Jacob-Israel e seus descendentes (Gn 12-50) e a épica libertação do Egipto (Ex 1-15) preservam muito provavelmente o ‘eco’ de figuras e eventos mais remotos, mas subtraem-nos os contornos históricos concretos em nome da reelaboração que as transformou em relato fundacional”. Por exemplo, no relato sobre o papel desempenhado por José junto de um Faraó, não encontramos confirmação na história das fontes egípcias. Após o Êxodo do Egipto, encontramos a emergência do monoteísmo, a importância de Yahvé – sendo que o seu culto exclusivo e a proclamação da unicidade divina resultaram de um longo processo histórico que não culminou senão depois do exílio. No caso do surgimento de Israel e da terra de Canaã, sentimos o contraste entre os livros de Josué e dos Juízes e a procura de um síntese harmoniosa. No caso da controvérsia sobre o início da monarquia (século X a. C.) e sobre as figuras de Saul, David e Salomão podemos, por isso, explorar os limites da reconstrução histórica, perante a dificuldade de emitir juízos seguros sobre esse tempo. Perante a “história normal” dos reinos de Israel e Judá, há condições para uma maior certeza histórica. E assim os escritores sagrados construiram narrativas nas quais os acontecimentos históricos são pretexto para mostrar a relevância teológica do que acontece na História.
A GÉNESE DO JUDAÍSMO
O Reino de Judá chegará ao fim dos seus dias pela captura da cidade de Jerusalém em 586 a. C. e pelo início do exílio em Babilónia. É o livro de Jeremias que nos dá o ambiente no interior da cidade sitiada e os sinais de resistência. Nabucodonosor ordena destruição da cidade. Mas ao sucesso segue-se a queda do império babilónico, a que sucede a conquista do rei Ciro da Pérsia, que muda a sorte dos exilados na Babilónia. O período persa permite o regresso do povo e a reconstrução do Templo de Jerusalém, a reedificação das muralhas de Jerusalém e o início da escrita da Bíblia ou proclamação da Torá – o Pentateuco, considerado como lei local. O nome “judeu” ganha, assim, dois significados – ou designa o indivíduo natural ou com uma ligação histórica ao reino de Judá ou à Judeia, ou corresponde a quem professa a religião judaica. Os séculos VI e V a. C. são o período charneira para o surgimento da Bíblia e assim se passa do Yahvismo (o povo escolhido por Deus) para o judaísmo, baseado no “código dos códigos” da cultura ocidental, sendo a Bíblia, motivada pelo trauma do exílio. E deste modo o “livro”, mais do que a “terra”, adquire o estatuto de pátria e de “religião”. E o período persa e o período helenístico, sob o domínio macedónio, abriram um novo horizonte que será, nos séculos seguintes, enriquecido pelo cristianismo…
Na Itália da mente não sabemos se é de noite ou se é de dia. Na Itália da mente nada se sabe e tudo é matéria de crença. Na Itália da mente a beleza ainda é possível, mesmo sob cendrados céus e talvez por isso.
inédito
6 (An Italy of the mind)
In the Italy of the mind we don’t know whether it’s night or day. In the Italy of the mind nothing is known and everything is the subject of belief. In the Italy of the mind beauty is still possible, even under the ashened skies and that’s perhaps why.
ATORES, ENCENADORES (II) O ESPETÁCULO NO PRÓPRIO TEXTO – CAMÕES, CHIADO, JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS por Duarte Ivo Cruz
Nesta série de artigos, evocamos sobretudo os que fazem o espetáculo, a partir de textos expressos ou mesmo improvisados, mas suscetíveis de fixação e de expressão teatral. A referência específica a atores profissionais inicia-se e desenvolve-se, como veremos em próximos artigos, ao longo do século XIX mas com grande relevância no século XX e até aos nossos dias: mas a partir dos séculos XVI/XVII, os textos já muitas vezes definem, expressamente e diretamente, a sua dimensão de espetáculo.
Vejamos dois exemplos breves mas relevantes, quanto mais não seja pela qualidade e projeção dos autores respetivos.
E desde logo Camões. Tenho escrito que o teatro de Camões, independentemente de atingir o nível e o significado incomparável de Os Lusíadas ou mesmo da Lírica, além de breve - três peças – assume larga projeção no contexto do teatro renascentista, pela sua óbvia qualidade ou não fosse uma criação camoniana - e pelo próprio sentido “de espetáculo”, o que normalmente não é tanto sublinhado. Aliás é caso para dizer que “sentido de espetáculo”, no mais nobre e qualificado alcance do termo, encontramos também na restante obra de Camões.
Só como mero exemplo, e são tantos ao longo dos 10 Cantos de Os Lusíadas, veja-se a estrutura cénico - dramática do episódio de Fernão Veloso inclusive no contraste entre o trágico e o irónico (Canto V- Estrofe 35):
«Disse então a Veloso um companheiro/ (Começando-se todos a sorrir): / “Olá Veloso amigo, aquele outeiro/ É melhor de descer do que de subir”/ Sim, é respondeu o ousado aventureiro; /Mas quando eu para cá vi tantos vir/ Daqueles Cães, depressa um pouco vim/ Por me lembrar que estáveis cá sem mim”.
Este episódio, repita-se, apresenta um conteúdo em si mesmo teatral, no sentido cénico e de espetáculo. Contem o diálogo, as indicações cénicas (“começando-se todos a sorrir”) e a própria direção/ caracterização do personagem (“o ousado companheiro”) – e ainda, a ironia e graça do texto, que contrasta com a situação em que se enquadra e até – mas não é caso único – com o incomparável sopro épico de Os Lusíadas.
Mas vejamos agora o Auto de El-Rei Seleuco, representado entre 1543 e 1549. Para alem da genialidade do texto, ou não fosse de quem é, traz-nos a curiosidade de dramatizar uma representação do próprio Auto em casa de Estácio da Fonseca, Cavaleiro Fidalgo de D. João III, almoxarife e recebedor das aposentadorias da Corte. Um alto funcionário, diríamos hoje.
E o auto inicia-se com o diálogo irónico do próprio Estácio com o seu moço-criado, acerca dos atores que iriam representar a peça:
«Estácio – São já chegadas as figuras? / Moço – Chegadas são elas quase ao fim de sua vida./ Estácio_ Como assim? / Moço - Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com frisa nem talão de sapato que saísse fora do couce. Ora viram aí uns embuçadetes e quiseram entrar por força: ei-lo arrancamento na mão: deram uma pedrada na cabeça do Anjo e rasgaram uma meia calça ao Ermitão; e agora diz o Anjo que não há de entrar até lhe não derem uma cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem uma estopada na calça. Este pantufo se perdeu ali: mande-o Vossa Mercê domingo apregoar nos púlpitos, que não quero nada do alheio/ Estácio– se ela fora outra peça de mais valia tu botares a consciência pela porta fora para a meteres em tua casa»…
Assim seria o chamado meio teatral no século XVI…
Ora, pela mesma época, entre 1545 e 1557, escrevia António Ribeiro Chiado o seu Auto da Natural Invenção. E também aqui se recorre a uma cena de presentação na Corte ou na alta classe mercantil. Temos aqui também o dialogo entre o dono da casa e o seu criado:
“Dono – Almeida!/ Almeida – senhor?/ Dono – Vem cá, vem cá!/ sabes se há –de tomar o porto/ hoje este auto, ou se é morto./ Almeida – E o autor onde está?/ Dono – Em casa de teu avô torto/ ou marmelo pela perna!/ Quem por rapazes governa/ sua casa é mais rapaz/ e rapaz que tratos traz, / com quem a malícia inverna./ Que te mandei todo hoje?/ Almeida – Que mandou vossa mercê?/ Dono – Já nada, pois que assim é, /Não mande Deus que te noja»…
Já havia pois, nesta época, comediantes profissionais e companhias. Aliás Camões, no Rei Seleuco cita o Chiado, quando o Escudeiro Ambrósio diz que “o Moço Lançarote (…) uma trova, fá-la tão bem como vós ou como eu, ou como Chiado”.
E pela mesma época, Jorge Ferreira de Vasconcelos, na comédia Aulegrafia também cita Chiado e põe na boca do personagem D. Ricardo este elogio ambíguo: “Em algumas cousas teve veia esse escudeiro”!
Termino com três citações.
Hernâni Cidade encontra nos Anfitriões de Camões uma “ternura que Plauto desconhece” (in Obras Completas de Camões vol.III); Clarice Berrardbnelli e Ronaldo Menegaz comparam a peça do Chiado com a de Camões, na convergência “de uma auto (B), dentro de um outro(A), mas enquanto Camões nos dá uma trama unida (…) o Chiado vai ao sabor da sua natural invenção traçando os fios e deixando as pontas soltas” (in Autos de António Ribeiro Chiado, ed. Rio de janeiro 1968); e Maria Odete Dias Alves assinala que Jorge Ferreira de Vasconcelos “povoa o palco de figuras portuguesas da sua época: é o ambiente de Quinhentos que vive nas suas paginas” (in A Linguagem dos Personagens de Jorge Ferreira de Vasconcelos - U Coimbra 1972).
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 17.12.14 neste blogue.