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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


Gaston Bachelard, a casa e o universo.


“C’était comme une nuit d’hiver, avec une neige pour étouffer le monde décidément.”, Rimbaud (Bachelard 1994, 40)


Uma verdadeira casa contém todo o universo assim que o mundo exterior se uniformiza. 


No livro “The Poetics of Space”, Gaston Bachelard escreve que a existência de condições adversas exteriores pode fortalecer o real significado de uma casa. A presença, por exemplo, do inverno pode aumentar o valor de uma casa como lugar permanente.


Não é a solidez das paredes que oferece resistência às intempéries, pois a ausência de resposta é uma das características essenciais na definição de uma casa. Segundo Bachelard, esta ausência de luta, intrínseca a uma casa, pode significar, por um lado, enraizamento, proteção e resistência e, por outro confiança na sabedoria dos elementos que, mesmo em fúria, veem as casas dos seres humanos e concordam em protegê-las. Bachelard explica que as tempestades são particularmente agressivas nas casas que acentuam a fragilidade do ser humano. 


Existe um diálogo constante entre uma casa e o seu universo exterior. Bachelard argumenta que é o inverno, por exemplo, que faz aumentar a necessidade de abrigo e de proteção. Durante o inverno, uma casa torna-se espaço de reserva e o mundo exterior reduz-se a nada, a um não-lugar - a neve e a escuridão uniformizam e sufocam todo o universo (as estradas desaparecem, os sons ficam abafados e todas as cores se ocultam). As certezas exteriores deixam de existir. Bachelard afirma que o inverno simplifica e imobiliza o cosmos. O mundo passa a estar fragmentado, fechado e finito. 


Como resultado desta simplificação universal, sente-se a negação do cosmos. O espaço interior dilata-se e expande-se. O eu separa-se do universo e interrompe a sua ligação ao mundo exterior. Dentro de uma casa tudo se multiplica e se expõe. A natureza verdadeira do eu poderá experienciar toda e qualquer interioridade com maior intensidade. No interior de uma casa, há espaço para a existência, a matéria e o movimento acontecer. 


A casa é, assim um centro bem definido de regressos e de abertura para todo aquele que sonha. É um espaço paradoxal, de disponibilidade imediata e de obscuridade profunda. O diálogo entre os dois espaços - interior e exterior - torna-se então dinâmico, ora de confiança ora de angústia. Casa e cosmos não são apenas dois espaços contíguos. Na realidade, interior e exterior, são dois elementos coincidentes e que, apesar de opostos podem despertam um no outro a eternidade. O espaço interior de uma casa é assim um fragmento de infinito sem forma, pura matéria celeste.


Ana Ruepp