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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


CXIV - GILBERTO GIL E AQUELE ABRAÇO


É mais um baiano que vem da fábrica de talentos da Bahia, para cantar e contar tanta coisa bonita, para sambar, valer, morrer de alegria, na festa de rua, no samba da roda, na noite de lua, no canto do mar. A ele se juntam baianos consagrados, seus amigos e conhecidos, como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa (recentemente falecida), entre outros.


Em outubro deste ano, com 81 anos e permanecendo no ativo, esteve em Portugal, onde atuou em Lisboa e no Porto, acompanhado por filhos e netos. 


Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Nova de Lisboa, por representar os valores de arte e cidadania e honrar “(…) a cultura que se expressa em português e a presença da língua portuguesa no mundo”.   


Esta distinta e merecida homenagem foi vista pelo agraciado como “Um gesto de amor, encharcado de afeto e carinho desse Portugal, que estreita os laços entre povos irmãos e culturas contíguas”.


Nascido em Salvador, Bahia, em 1942, no mesmo ano de Caetano Veloso e Milton Nascimento, começou a tocar acordeão, no início da adolescência, influenciado por Luís Gonzaga, transitando para o violão, o seu instrumento preferido, através da descoberta da música de João Gilberto, conhecendo Dorival Caymmi, que lhe abriu novos horizontes começando, desde então, a escrever poesia, a compor e gravar os primeiros discos, tendo decidido, em 1966, viver da música, indo para o Rio de Janeiro.


A bossa nova juntou-o a Caetano, Gal e Tom Zé, que com o impacto dos Beatles se envolveram na criação do movimento tropicalista, que defendia o transvasamento cultural entre a tradição musical brasileira e a cultura global e de massas das expressões de vanguarda e de sonoridade pop e rock, numa mistura, ora conflituosa, ora pacífica, de que a canção “Geleia Geral” (brasileira), de Gilberto Gil (GG) e Torquato Neto é exemplo, onde se assimilava e reinventava a experiência estrangeira com qualidades locais ineludíveis, com a possibilidade de funcionar, num confronto internacional, como um produto de exportação mundial e de promoção da brasilidade e da língua portuguesa, no português do Brasil.   


A difusão do nosso idioma por GG, mundializando-o e universalizando-o, está presente em canções como “Eu vim da Bahia”, “Expresso 2222”, “Geleia Geral”, “Roda”, “Procissão”, “Louvação”, “Chiclete com banana”, “Domingo no parque” e “Aquele abraço”, o que é redutor numa obra musical com mais de 600 canções, finalizada com uma bem sucedida carreira a solo, em vários géneros musicais, passando pelo baião, samba, bossa nova, música popular brasileira, pop, rock, funk, reggae, soul, blues, onde a terra mãe baiana, como território iniciático da brasilidade, devora informação nova importada de África e outros lugares, misturando-a e reinventando-a.   


A figura multifacetada de GG, desde artista, pensador, compositor, cantor, empresário (tem formação em administração de empresas), até embaixador da ONU para agricultura e alimentação e Ministro da Cultura do Brasil, torna compreensível as distinções recebidas da UNESCO (como artista da paz), em França, na Suécia, EUA, incluindo o título, entre nós, de Doutor Honoris Causa pela universidade de Aveiro e da Nova de Lisboa, a que acresce, recentemente, a eleição como Imortal da Academia Brasileira de Letras, reforçando ainda mais o seu contributo para a divulgação e disseminação da língua portuguesa e cultura lusófona pelo mundo.


E foi em tom festivo que atuou em outubro deste ano em Portugal, celebrando 60 anos de carreira, tendo a acompanhá-lo dois filhos e dois netos, todos de apelido Gil (Bem Gil, José Gil, João Gil e Flor Gil), não se esquecendo de cantar “Aquele abraço”, exemplo singular da cultura que se expressa em português, que teve como insólita inspiração o modo como os soldados o saudavam quando preso no quartel: “Aquele abraço, Gil”, que aqui e agora nos é gratificante retribuir.


08.12.23
Joaquim M. M. Patrício