PASCAL: O HOMEM E DEUS. 2
Entre o nada e o Infinito, outras tensões, Jesus Cristo e a salvação.
Desproporção no homem. “O que é um homem no infinito? O que é um homem na natureza? Um nada diante do infinito, um tudo diante do nada, um meio entre nada e tudo, infinitamente longe de compreender os extremos. Todas as coisas saíram do nada e são elevadas até ao infinito.” O homem não se compreende porque está no meio e não se contenta senão com o infinito. “Todos os homens procuram ser felizes. O que não conhece excepção por muito diferentes que sejam os meios para esse fim. A vontade não faz a mais pequena diligência a não ser tendo em vista esse objecto. É este o motivo de todas as acções de todos os homens, até mesmo dos que se enforcam. E contudo, há tantos anos nunca, sem a fé, houve quem chegasse a esse ponto que todos visam continuamente. Todos se lamentam, príncipes, súbditos, nobres, plebeus, velhos, jovens, fortes, fracos, sábios, ignorantes, sãos, doentes, de todos os países, de todos os tempos, de todas as idades e de todas as condições. Uma provação tão longa, tão contínua e tão uniforme deveria convencer-nos da nossa impotência de chegarmos ao bem pelos nossos esforços... Porque este abismo infinito não pode ser preenchido senão por um objecto infinito e imutável, o que quer dizer senão por Deus. Só ele é o seu verdadeiro bem.” “Miséria do homem sem Deus. Felicidade do homem com Deus.”
Esta desproporção repercute-se em imensas situações de tensão. Exemplos. “Meu, teu. ‘Este cão é meu’, diziam estas pobres crianças. ‘É aqui o meu lugar ao sol.’ Eis o começo e a imagem da usurpação de toda a terra.” Identidade não reificada, mas processual: “Esse eu dos vinte anos já não sou eu.” Sobre o casamento e o divórcio: “Ele já não é o mesmo, ela já não é a mesma; se fossem os mesmos, ainda se amariam.” “A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica.” “Conhecemos a verdade não só pela razão, mas também pelo coração.” “Sabedoria infinita e loucura da religião.” “Verdade aquém dos Pirenéus e erro além.” “Há duas espécies de espíritos: um, geométrico, e outro que se pode chamar de ‘finesse’.” “O homem não é anjo nem é besta, e por desgraça quem se quer fazer anjo faz-se besta.” “Os homens ocupam-se em seguir uma bola e uma lebre: eis o prazer por excelência dos reis.” “Vaidade, jogo, caça, visitas, comédias, falsa perpetuidade do nome.” “Há poucos cristãos verdadeiros. Digo o mesmo na questão da fé. Há muitos que crêem, mas por superstição. Há muitos que não crêem, mas por libertinagem, há poucos entre uns e outros.“ “A piedade é diferente da superstição.” “Dois excessos: excluir a razão, não admitir senão a razão.” Nós e os outros: “Sustento que, se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros na sua ausência, não haveria quatro amigos no mundo.”
Finitude, contingência. “Tivesse o nariz de Cleópatra sido mais curto e teria mudado toda a face da terra.” “Sinto que podia não ter existido, porque o eu consiste no meu pensamento; portanto, o eu que pensa não teria existido, se a minha mãe tivesse morrido antes de eu ter sido concebido; logo, não sou um ser necessário. Também não sou eterno nem infinito, mas vejo bem que há na natureza um ser necessário, eterno e infinito.”
Em quem se encontra a salvação senão em Jesus Cristo? “O Evangelho não fala da virgindade da Virgem senão na altura do nascimento de Jesus Cristo. Tudo se reporta a Jesus Cristo.” “Ninguém é feliz como um verdadeiro cristão, nem sensato, nem virtuoso, nem amável.” “Nós não conhecemos Deus senão por Jesus Cristo, como não nos conhecemos a nós mesmos senão por Jesus Cristo; não conhecemos a vida e a morte senão por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo, não sabemos o que é a nossa vida nem a nossa morte, nem Deus, nem nós mesmos. Assim, sem a Escritura que não tem por objecto senão Jesus Cristo, nada conhecemos, e não vemos senão obscuridade e confusão na natureza de Deus e na própria natureza.” “Jesus Cristo é o centro para o qual tudo tende. Quem o conhece conhece a razão de todas as coisas.” “Os filósofos. Eles causam espanto no comum dos homens. Os cristãos, eles causam espanto nos filósofos.” A morte e a esperança: “Imaginemos muitos homens algemados, e todos condenados à morte; olhando uns para os outros com dor e sem esperança, estão à espera da sua vez“. “Não nos aflijamos como os pagãos que não têm esperança... Não consideremos a morte como pagãos, mas como cristãos, como ordena São Paulo, isto é, com esperança, pois é esse o privilégio dos cristãos.”
Consequências de ser cristão. “Amo todos os homens como meus irmãos. Amo a pobreza porque Jesus Cristo a amou. Amo os bens porque me dão meio de com eles assistir os miseráveis. Guardo fidelidade a toda a gente. Não devolvo o mal aos que mo fazem, mas desejo-lhes uma condição semelhante à minha. Procuro ser justo, verdadeiro, sincero e fiel a todos, e tenho uma ternura de coração por aqueles aos quais Deus me uniu mais estreitamente. E quer esteja só ou à vista dos homens, tenho todas as minhas acções à vista de Deus, que deve julgá-las e a quem todas consagrei.” “A verdade sem a caridade não é Deus.” “Jesus estará em agonia até ao fim do mundo. Não devemos dormir durante esse tempo.” “Duas leis bastam para regular toda a república cristã melhor do que todas as leis políticas: o amor de Deus e o do próximo.”
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN | 16 de dezembro de 2023