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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

JACQUES DELORS (1925-2023)

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Jacques Delors: porque existe Europa e o inesquecível sonho de a concretizar

 

E o horizonte aproximou-se e com ele a vontade de uma exímia paz concretizada em conteúdo e forma.

Cada país seria um todo e cada todo um pensamento aquietado no desafio.

Jacques Delors,

assim lhe pudéssemos traduzir a nossa gratidão encurtando distâncias entre os povos e criando passagens por entre os muros.

 

Teresa Bracinha Vieira

 

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

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155.   OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E A SUA HUMANIZAÇÃO

 

1.   À medida que a taxa de natalidade diminui nos países mais desenvolvidos, o envelhecimento aumenta e a solidão se instala, os animais de estimação são tratados como filhos, em especial os patudos e os felinos.
Há um processo de humanização em que se transfere para animais de companhia rituais e tradições outrora uma demonstração de amor pelos filhos, desde lojas e secções especiais de produtos para alimentação, higienização, vestuário e acessórios, carrinhos de bebés adaptados para passeios, viagens de avião, festas de aniversário, cerimónias religiosas, orações e rezas de vida sã ou fúnebres, serviços de cremação e uma panóplia de utensílios instrumentais e necessários para acompanharem a vida das pessoas que os amam.
Não surpreende haver cada vez mais pessoas que se abstêm de comer animais, em especial os de quatro patas, nomeadamente cães e gatos, incluindo coelhos, o porco e pássaros comestíveis.
Emblemático é o Japão, onde a baixa de natalidade está em mínimos históricos e o envelhecimento se acentua, com um implemento das bênçãos dedicadas aos animais de estimação, como o ritual Shichi-Go-San, que significa Sete-Cinco-Três em japonês, anualmente celebrado e tradicionalmente destinado a crianças dessas idades, onde cada vez mais cães e gatos (especialmente cães) são aceites, vestidos com quimonos, num santuário e altar do cão e do gato, levados pelos donos, onde estes rezam e aqueles recebem uma bênção de um sacerdote xintoísta.
Sem esquecer os usos fúnebres, em templos budistas, pois que se tais animais têm importância na vida diária de tantas pessoas, anos e anos, é importante para eles fazer um ritual de passagem, pagando por esses serviços.
Este humanitarismo, defensor do respeito por todos os animais, tem como figura cimeira, no ocidente, São Francisco de Assis (protetor dos animais e de toda a natureza), razão pela qual no dia da sua celebração há países onde os bichos de estimação recebem a sua bênção, desde logo de religiosos franciscanos.

 

2.   A visão ecologista de respeito pela natureza integra o respeito por todos os seres que são parte integrante do mundo natural, o que impõe a regra de respeitar e tratar bem os animais, sendo tida a sua defesa, cada vez mais, como uma extensão da dos direitos humanos, tendo-se como uma conduta humanista o defender aqueles que são incapazes de defender os seus próprios direitos.
O que vai ao arrepio dos que entendem que os direitos humanos nascem da ação racional do ser humano, o que exclui pessoas incapazes do exercício de direitos, como bebés, deficientes, pessoas com Alzheimer, Parkinson, bem como os animais.
Porém, quanto aos animais, respeitá-los e tratá-los bem não acarreta que se abdique duma hierarquização mínima de valores, entre o que é humano e os outros seres, mesmo para quem argumenta que a capacidade de sofrer e sentir pode ser razão para ter direitos iguais aos humanos (por extensão aos animais). Só que, perguntam outros, porque não têm deveres iguais, começando pelo dever de pagar impostos, sempre pagos por humanos, mesmo quando incidem sobre cães ou gatos de que são donos?
A verdade é que a solidão humana é compensada ou suprida, crescentemente e em especial nas sociedades mais desenvolvidas e urbanas, pela posse de animais de companhia, posse essa que, quando compulsiva, é censurável, podendo, por um lado, significar tê-los como coisa nossa em termos absolutos e, por outro, manifestar uma conduta de presunçosa superioridade ao priorizá-los sempre se em conflito com os humanos.
Há que saber equilibrar essa demonstração de amor e de humanização pelos animais de estimação, mesmo que nos ajudem nas horas de solidão e do nosso envelhecimento, como no poema Cão, em Esta voz é quase o vento, de José Agostinho Baptista:

 

Envelhecemos lado a lado, meu amigo,

Companheiro das sinuosas veredas de cardos

e urtigas,

guardador dos rebanhos brancos e de cada

solitária rosa dos meus dias,                                                                                                                      

(…)

Sei que em breve te direi adeus.

Tenho medo de saber como serão as horas de

uma casa,

Vazia para sempre, depois de ti.

 

29.14.23
Joaquim M. M. Patrício