A CORAGEM DE APOIAR AS ARTES
Foi António Pedro quem disse que “a Arte só o pode ser como exercício da liberdade”. A afirmação parece natural, mas precisa de ser vivida segundo esse sério entendimento. Por isso, o apoio às artes exige determinação e um sentido apurado, que permita conciliar o gosto e a apreciação do valor. Para tanto não há receitas nem lógicas utilitaristas. É um domínio de incerteza, de intuição e de capacidade de correr riscos. A experiência portuguesa dos anos cinquenta do século passado merece ser recordada. A abertura em 1952 da Galeria de Março, dirigida por José-Augusto França, no princípio com Fernando Lemos, merece referência, já que se tratou de uma aventura cultural, mais do que comercial. O seu nascimento veio na sequência do êxito da exposição de 52 de Lemos, Fernando Azevedo e Vespeira e a sua importância deveu-se a uma atitude eclética assumida, acolhendo os artistas que a procurassem, apenas com a exigência da qualidade – indo do neorrealismo (Júlio Pomar e Lima de Freitas) ao surrealismo (António Pedro, Dacosta, Cândido e F. Lemos), até ao abstracionismo (Lanhas, Jorge Oliveira, Edgar Pillet). E a função cultural ficou claramente demonstrada pela exposição de Almada Negreiros, que remeteu para Amadeo, de quem então apenas se falava, e tinha um único quadro, e chamando a atenção para Maria Helena Vieira da Silva.
Era, no entanto, um tempo ingrato, no qual “tentar vender pintura era como procurar vender frigoríficos no polo Norte: as pessoas não precisavam”, como disse J.-A. França no “Comércio do Porto” em 1956. Falando de galerias, lembramos a abertura da “Pórtico”, onde se lançaram alguns jovens, que iriam das Belas-Artes (ou do Centro Nacional de Cultura) até Paris, como o grupo KWY, como Lourdes Castro, R. Bertholo, José Escada e Costa Pinheiro. Havia salas de exposição, mais do que verdadeiras galerias, sendo difícil a formação de um mercado. Skapinakis considerava em 1959 ser tarde para fabricar “marchands”, dos quais desconfiava. Dez anos depois, surgiria o tal mercado, algo precipitadamente. Mas o tema da internacionalização entrava na ordem do dia. Enquanto Mário Dionísio criticava, num inquérito, a saída de artistas e o facto de pensarem como se estivessem em Paris, Roma, Londres ou Nova Iorque; mas José-Augusto França apostava na abertura de horizontes; “os nossos pintores têm de pertencer (à Europa) ou morrem” e Bernardo Marques desenha em 1958 uma deliciosa caricatura onde França aponta o destino de Paris para um animado e numeroso grupo de artistas. É exatamente o período em que as bolsas distribuídas pela Fundação Calouste Gulbenkian vão começar a ter um papel decisivo, merecendo referência a generosa proteção de Vieira da Silva em Paris. Aliás, esta internacionalização foi antecedida por Fernando Lemos na ida para o Brasil em 1953. E o papel catalisador da Gulbenkian permitiu uma visão panorâmica do estado das artes plásticas em Portugal, proporcionando aos artistas oportunidade para estabelecer contacto com o público.
Há dias, deixou-nos Maria da Graça Carmona e Costa. Foi exemplo do apoio inteligente, conhecedor e generoso às artes e à cultura. Justas foram as homenagens que se ouviram de diversos horizontes. Apaixonada pelas artes plásticas, contactou, desde o final dos anos 1960, destacadas personalidades da arte portuguesa, como Almada Negreiros, José-Augusto França ou Rui Mário Gonçalves. Iniciou a sua atividade na Galeria Quadrum, de Dulce d’Agro, nos Coruchéus. No final dos anos 1980, fundou o gabinete Giefarte, a que sucederia, em 1997, a Fundação Carmona e Costa, para dinamizar iniciativas de arte contemporânea portuguesa, como exposições, conferências, edição de livros e catálogos, ou bolsas de estudos como as destinadas a alunos do Ar. Co – Centro de Arte e Comunicação Visual de Lisboa. E para saber o essencial, percorra-se a exposição “Álbum de Família”, no MATT, com curadoria de João Pinharanda. Para não esquecer.
GOM