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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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HERCULANO E ANTÓNIO MARIA

  


Na Lisboa oitocentista houve o tempo dos cafés e o “Marrare do Polimento” ditava leis, na que hoje é a rua Garrett. Ali Passos Manuel fazia escritório, José Estevão, Castilho, Herculano, Garrett e Bulhão Pato encontravam-se para debater os assuntos do momento. Mas, como reconheceu Zacarias d’Aça, essa voga passou e nasceram os Clubes, à maneira inglesa, e, entre eles, o Grémio Literário. Corria o ano de 1846 e os ânimos viviam exaltados, em guerra civil perante o “Cartismo” de Costa Cabral: a crise financeira, a revolta da Maria da Fonte, o início da Patuleia, o início clandestino de “O Espetro” de Rodrigues Sampaio. Garrett dava à estampa “As Viagens na Minha Terra”, antes vindas a lume em folhetins na “Revista Universal Lisbonense”, dirigida por Castilho, e Alexandre Herculano publicava o primeiro volume da sua “História de Portugal”. Helena Buescu e David Justino deram início agora ao ciclo sobre os fundadores do Grémio Literário, com a evocação de duas figuras primordiais na vida da vetusta instituição: Alexandre Herculano, o sócio número 1, fundador da moderna historiografia, marcante na literatura, na vida política e até na modernização da agricultura, com o seu premiadíssimo azeite; e António Maria Fontes Pereira de Melo, o governante, que tendo sido quatro vezes primeiro-ministro, fixou com o seu nome, na designação dada por Ramalho Ortigão, o período fundamental do liberalismo português – o fontismo. E se dúvidas houvesse Rafael Bordalo Pinheiro intitularia de “António Maria” a mais célebre das suas publicações críticas.


Alexandre Herculano, um dos bravos do Mindelo, vindo de uma família de reconstrutores da cidade de Lisboa, depois do grande terramoto, foi figura única da primeira geração liberal, cultor do progresso e da autonomia individual, insistindo especialmente na dimensão moral. “O erro deplorável dos adeptos de certa escola é desprezarem a distinção entre o progresso que influi no melhoramento social e moral dos povos, e aquele que só melhora a condição física”. A luta contra a tirania, o exílio e contra a morte da liberdade era expressão da superioridade do homem convertido em cidadão. Admirado pela geração dos jovens de 1870, o historiador foi a referência ética que se impôs. E lembremo-nos como nos seus ensaios e narrativas sobressaem o exemplo e a coerência da dignidade humana. “Eurico, o Presbítero” é o símbolo romântico, que se sacrifica estoicamente, enaltecendo a virtude dos seus adversários, em nome da honra, e em “A Abóbada” temos a sublime afirmação da vontade e do conhecimento que afinal prevalece num risco supremo. É esta coerência que encontramos em Herculano, que, não tendo apoiado a Revolução de Setembro de 1836, tornar-se-ia defensor em “A Voz do Profeta”, da Constituição compromissória de 1838, matricial no movimento estabilizador da Regeneração no Ato Adicional de 1852, em cujo regime defendeu intransigentemente a soberania popular com alternância de dois partidos – Regenerador e Histórico.


Para compreendermos Fontes Pereira de Melo, temos de entender a sua formação técnica e a muito precoce mobilização militar, cívica e política para a causa do liberalismo, na senda da carreira de armas de seu pai, em nome dos ideais da liberdade e do progresso. Por isso afirmou: “no nosso país há três grandes partidos. O progressista, o estacionário e o partido retrógrado. Eu sou progressista, digo-o com toda a franqueza, mas sou menos progressista do que muitos indivíduos que eu conheço nesta grande divisão; tenho, portanto, muita gente para a frente, e alguma para a retaguarda. (…) Entretanto, seria preciso que eu tivesse mais 30 anos, ou que tivesse nascido no século passado, para não ser progressista, como entendo que se deve ser” (15.1.1849). Num período longo, houve condicionantes, continuidades e descontinuidades – que permitem entender a ideia de progresso e o confronto que Herculano precisou entre este e o melhoramento moral dos povos.


GOM