ROBERT BADINTER
Conheci Robert Badinter na Convenção para o Futuro da Europa (2002-2003), num momento de grande esperança sobre a necessidade de se avançar para a construção de uma União Europeia de Direito, na qual uma Lei Fundamental pudesse permitir a criação de uma democracia supranacional e de uma cidadania de liberdade e igualdade, baseada nos direitos humanos. Conversámos sobre essa exigência, compreendendo um longo percurso que terá de ser prosseguido com determinação. Sentávamo-nos lado a lado no grande hemiciclo de Bruxelas e na sua voz pausada, serena e determinada encontrei sempre a firme defesa dos direitos fundamentais como o centro de todas as reflexões e de todos os compromissos da vida democrática. Legislador experimentadíssimo, sabia bem que qualquer norma para ser eficaz teria de ponderar o empenhamento dos destinatários, já que direitos e deveres, liberdade e igualdade, igualdade e diferença constituem o cerne da democracia. Mais do que um método de funcionamento das sociedades ou do que um conjunto de procedimentos funcionais, a democracia é um sistema de valores, em que a ética, a moral e o direito se completam. Estudioso e biógrafo (com Elisabeth Badinter) de Condorcet, herói incompreendido da Revolução, considerava que o método de descobrir a verdade estaria na aprendizagem e no conhecimento, como artes que permitem não cair na obscuridade. Uma sociedade de iguais, mulheres e homens, deveria, assim, progredir num gradualismo comprometido, capaz de garantir o aperfeiçoamento permanente no sentido do reconhecimento pleno da dignidade humana.
Está na memória de todos o memorável discurso na Assembleia Nacional francesa de 17 de setembro de 1981, como Ministro da Justiça. Afinal, ao fim de vários anos de combate incessante, havia que reafirmar. “A pena de morte significa que o Estado assume o direito de dispor da vida do cidadão; implica secretamente o poder de vida ou de morte do Estado sobre o cidadão, E eu recuso isso”. E foi possível concretizar tal desígnio, com determinação e coragem, apesar de resistências e receios. E não esqueço a profunda admiração que tinha em relação ao pioneirismo de Portugal nesse domínio. Tantas vezes o ouvi lembrar a carta de Victor Hugo ao diretor do Diário de Notícias, Eduardo Coelho, publicada no dia 10 de julho de 1867: "Está, pois, a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma tão grande história!”
Como disse o seu amigo Jacques Attali, “Robert Badinter era um gigante, um imenso jurista, um homem de Estado, um observador irónico, que gostava do mundo, companheiro magnifico nas refeições e conversas, desde a literatura a uma curiosidade insaciável. Era tudo menos um político obcecado pelo poder”. Advogado, penalista, pensador, professor de Direito, Ministro da Justiça (1981-1986), Presidente do Conselho Constitucional (1986-1995), Senador por Hauts-de-Seine (1995-2011), estava casado com a escritora e militante dos direitos humanos Elisabeth Badinter, que fez dos combates pela liberdade e igualdade uma constante da sua vida, sem cedência a argumentos de oportunidade. Não se pense, porém, que o consenso a que assistimos nos últimos dias no elogio ao cidadão exemplar foi uma constante durante a sua vida. Não, foi alvo de muitos ataques e incompreensões, uma vez que o seu combate era de princípios e valores éticos e tantas vezes os seus críticos confundiram as situações concretas e a defesa intransigente da pessoa humana como essencial nas suas causas. Lembro com saudade os encontros que tivemos, a sua paixão e o seu empenhamento. Não esqueço as suas dúvidas e preocupações, pela liberdade e pela verdade, como afirmou num dos seus últimos relatórios no Senado, designadamente respeitantes a um perigoso recuo dos valores democráticos, com perda do sentido universalista e avanço das intolerâncias e do medo dos outros e das diferenças.
GOM