ANTÓNIO VIANA BARRETO
Por ocasião dos cem anos do armistício do final da primeira guerra mundial tive o gosto de plantar nos jardins da Gulbenkian dois choupos e um álamo em homenagem à paz e à dignidade humana. Nada melhor do que as árvores como símbolos do respeito e do amor à vida. Recordei o facto no dia em que comemorámos o centenário do nascimento do Arquiteto António Viana Barreto (1924-2012), coautor com Gonçalo Ribeiro Telles desses extraordinários jardins, modelos do paisagismo enquanto encontro entre a natureza, a cultura e a arte. A exposição que se encontra aberta por estes dias fala por si. De facto, não se compreende o património cultural como realidade viva sem a ligação entre os monumentos, os documentos, as tradições, a natureza, a paisagem, as tecnologias e a criação contemporânea. “A paisagem tende a constituir uma unidade global de funcionamento ecológico, apesar da diversidade dos seus elementos constituintes. O sistema de relações que se verificam no território tende a estabelecer um entrelaçamento, cada vez maior, do espaço urbano com o espaço rural”. Quantas vezes ouvimos os artífices dos jardins Gulbenkian lembrar com estas palavras a importância deste diálogo criador entre a humanidade e a natureza. Os dois paisagistas compreenderam, assim, que essa relação constitui o modo mais sublime da criação e o melhor exercício da sabedoria humana.
Viana Barreto frequentou o Curso Livre de Arquitetura Paisagista, dirigido por Francisco Caldeira Cabral no Instituto Superior de Agronomia, tendo sido o primeiro profissional com esta formação a entrar para um serviço do Estado, na Direção Geral dos Serviços de Urbanização, onde criou a Divisão de Arquitetura Paisagista. Quando a Direção Geral passou a designar-se do Planeamento Urbanístico, a Divisão ampliou a sua intervenção tendo sido constituídas as delegações do Porto, Coimbra, Faro, Madeira e Açores. Tal foi decisivo para impor a profissão em todo o País. Tratava-se não apenas de considerar o território a ocupar, mas a paisagem a ordenar. E que é a paisagem etimologicamente senão a imagem do país, como expressão da identidade e da cultura? Assim, António Viana Barreto, como o seu amigo Gonçalo, tornaram-se Maestros da Paisagem, como se regessem a complexa orquestra da natureza. E como disse o nosso homenageado, tudo o que fez foi inspirado na convicção de que “é do conjunto da articulação e ponderação de todas as vontades que se constrói qualquer coisa”. Nesse trabalho magnífico, temos de recordar Edgar Fontes, Álvaro Ponce Dentinho e Fernando Pessoa – e hoje a Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas. Todos permitiram a consolidação dos conceitos e metodologias do ordenamento do território. E lembremos o pioneiro Plano de Ordenamento Paisagístico do Algarve, com Albano Castelo Branco e Álvaro P. Dentinho, que nos permite ter uma visão de futuro, que hoje continua atualíssima, a partir do entendimento de uma região com potencialidades longe de estarem plenamente aproveitadas.
E se falamos de método, temos de lembrar os ensinamentos do paisagista escocês Ian McHarg, autor de “Design with Nature”, obra de cabeceira destes pioneiros, para quem os pilares fundamentais da política ambiental são a Conservação da Natureza e o Ordenamento do Território. E quando se fala em desenvolvimento sustentável, importa ter bem presente o exemplo de António Viana Barreto, para além de um discurso de atualidade, uma vez que se trata de questões de sobrevivência da humanidade que apenas podem ser salvaguardadas com método, persistência e determinação. Quando foi criada a Direção Geral do Ordenamento, o primeiro responsável foi Viana Barreto e quando pensamos nos instrumentos de ordenamento do território e nas áreas protegidas temos de lembrar a plêiade desses pioneiros e o que nos legaram: além dos jardins da Gulbenkian, os planos da Torre de Belém ou das quintas das Conchas e dos Lilases. Todos ganhámos. Há que continuar.
GOM