CRÓNICAS PLURICULTURAIS
165. A NÃO ACEITAÇÃO DA VELHICE
Uma das melhores reflexões que conheço sobre a velhice e as fragilidades que lhe estão associadas, está num episódio da série britânica “The Crown” (“A Coroa”), em que o pintor Graham Sutherland (GS) retrata Winston Churchill (WC), octogenário, velho e doente, num retrato preciso da decadência causada pela idade, de que transcrevo alguns excertos.
GS - Soube que recusou o quadro.
WC - Sim.
GS - Com que fundamento?
WC - Não é um retrato, mas, sim, uma humilhação. (…) E eu não o aceito.
GS - Não acho que seja prudente recusar. Foi pedido pelos membros das duas Câmaras como sinal de respeito.
WC - Pedissem a um artista de respeito, em vez de a um Judas com um pincel assassino.
Olhe para ele! É uma traição de uma amizade.
Um ataque antipatriota, traiçoeiro e cobarde por parte da esquerda individualista.
GS - (…) Aceitei este pedido porque o admirava e, com a experiência, passei a admirá-lo ainda mais.
WC - E faz das pessoas que admira monstros?
GS - Não é uma vingança. É arte. Não é pessoal.
(…) Peço-lhe que não se sobressalte. Dê tempo ao tempo.
WC - (…) Não é uma representação verdadeira da minha pessoa!
GS - Sim, é.
WC - Não é! É cruel!
GS - A idade é cruel!
Se vê decomposição, é porque ela existe.
Se vê fragilidade, é porque ela existe.
Não posso ser culpado pelo que é.
E recuso-me a esconder e disfarçar o que vejo.
Se está a combater alguma coisa, não é contra mim.
É contra a sua própria cegueira.
WC - Acho que devia ir embora.
Feito à revelia do que idealizara para si como homem de Estado, Churchill detestou a pintura e, confrontado com a decadência artística do corpo, que o frustrou, o quadro acabou por ser queimado.
Vigora uma cultura que idealiza e faz o culto do corpo, de uma forma que tem como insuportável confrontar o seu e o nosso declínio.
À medida que a idade avança apercebemo-nos e ouvimos narrativas de pessoas que escolhem ficar incontactáveis, sem deixar rasto, outras indisponíveis presencialmente, algumas só comunicáveis pelo telefone e redes sociais, por vezes apenas virtualmente, tomando opções radicais em relação a terceiros que amiúde contactavam e, em número significativo, refugiam-se no núcleo familiar mais próximo, alargado, de amigos especiais ou disponíveis, quando os há, numa não aceitação, tantas vezes não assumida, da velhice e da doença, não querendo que as vejam ou serem entendidas, tal como o são, na sua realidade e solidão existencial.
E embora a velhice tenha de ser vista como algo que faz parte da vida e que não podemos evitar, a sua rejeição e o querer vencê-la faz com que comece a ser encarada como uma doença que podemos impedir.
Não podemos pensar que vamos ser imortais, mas sim que poderemos envelhecer mais devagar, parecendo ter 30 ou 40 anos aos 50/60 e 60/70, o que se indicia ser possível no futuro, com uma diferença maior, como já sucede agora, entre países ricos e pobres.
Mesmo assim, sempre foi uma miragem pensar que a ciência pode controlar tudo e, com a sua ajuda, controlar a vida e reverter de vez a velhice, como o prova a mais recente pandemia, pelo que é necessário adaptar a nossa mente a situações diferentes, mudando o nosso modo de pensar, não sofrendo com o que não podemos controlar, nem nos deixando ir tão docilmente nessa antecâmara da noite escura.
08.02.24
Joaquim M. M. Patrício