CRÓNICAS PLURICULTURAIS
167. INTERROGAÇÕES SOBRE A LÓGICA DO PROGRESSO
Se no mundo técnico e científico o progresso é marcado por uma evolução gradual, linear e de permanente inovação, o mesmo não se verifica nas relações dos humanos uns com os outros.
Não há troca de eletrodomésticos, computadores, telemóveis, máquinas ou meios de transporte tecnologicamente mais eficientes e confortáveis por outros mais antigos, desadequados, desatualizados, ultrapassados e ineficientes.
As coisas, os objetos, o dinamismo dos utensílios e do saber encaminham-se para a sua perfeição, melhorando continuamente, numa tendência universal que atravessa todas as latitudes e longitudes, independentemente das determinações étnicas de uma comunidade, grupo social ou cultura.
Indicia-se não haver regressão no progresso técnico e científico, na dinâmica inteligível dos utensílios e das coisas, que se intui como crescente e irreversível, ao invés das várias formas de relacionamento humano, como no universo político e simbólico, tidas como repetitivas, progressivas, regressivas, com avanços e recuos, onde se indicia existirem problemas insolúveis, reversíveis, subjetivos e geradores de incerteza.
Intui-se que o tempo cumulativo do desenvolvimento científico e técnico é portador de uma evolução e inovação progressivamente contínua.
Intui-se que o tempo cumulativo do desenvolvimento das relações das pessoas umas com as outras não melhora permanentemente, pode ser progressivo ou regressivo, pode trocar-se uma democracia por uma ditadura e o inverso, abolir-se ou instituir-se a pena de morte e a prisão perpétua, trocar-se uma religião humanista por uma inquisitorial e sanguinária, por mais que se tente absolutizar e universalizar os direitos humanos, de génese meramente ocidental, para muitos.
E se o computador é um progresso irrefutável, um sem número de vezes superior, em relação ao ábaco e à sua calculadora, não se pode dizer que Gandhi, Luther King ou Mandela são personalidades morais superiores a Buda, Jesus Cristo ou Maomé. Que filósofos contemporâneos são mais “profundos” que os da antiguidade como Sócrates, Aristóteles e Platão. Que Jackson Pollock e Andy Warhol superam Caravaggio e Leonardo da Vinci, que as obras de Shakespeare ultrapassam a Ilíada e a Odisseia, de Homero.
Indicia-se que a noção de progresso é menos aceitável e mais questionável, senão mesmo inviável, na ordem afetiva, intelectual, psicológica, política e simbólica das relações humanas, dada a sua natureza e condição, como o provam os clássicos na sua intemporalidade, pois “está lá tudo”, desde que há escrita, como é usual dizer-se, pelo que, nesta perspetiva, a guerra, por exemplo, tem caraterísticas de permanência na História da humanidade, o que não exclui tentar expurgá-la, a todo o tempo e em qualquer circunstância.
22.03.24
Joaquim M. M. Patrício