A revista Raiz & Utopia surgiu na Primavera de 77. Vivia-se então em Portugal o efeito de um confronto – se não sangrento, pelo menos violento –, de que os saneamentos e as campanhas de dinamização cultural do MFA foram aspetos desgastantes que, mesmo à distância, mais parecem anedóticos.
A sociedade estava cansada de “palavras de ordem” e de um excesso de politização, o que explica o amplo movimento de adesão que se criou em torno da revista.
Ao manifesto Raiz & Utopia (que teve três autores, António José Saraiva, José Baptista e Carlos Medeiros, os dois primeiros já desaparecidos) reagiram por escrito dezenas de intelectuais e políticos de vários horizontes – e essa foi uma primeira grande vitória da Raiz & Utopia a que se viriam a somar outras semelhantes ao longo da sua existência, que terminou no Outono de 81.
Adelino Amaro da Costa, Alfredo de Sousa, Nuno de Bragança – para só citar estes, também desaparecidos tão antes do tempo – saudaram, entre muitos outros, a “pedrada no charco” que era o Manifesto publicado no nº 1 e que aqui se resume com o texto na contra-capa desse número, hoje esgotadíssimo:
Os burocratas, tecnocratas e salvadores políticos dos vários mundos, independentemente das suas diferenças de situação e doutrina, estão empenhados em consolidar um sistema em que a grande maioria dos homens executa mecanicamente as decisões tomadas por alguns. Torna-se cada vez mais urgente restituir a cada homem a sua humanidade, quadriculada e esquartejada num mundo cada vez mais programado. “Raiz & Utopia” não propõe uma nova doutrina no plano político e ideológico em que se exibem os actores do dia. Não contribui para o discurso dominante. Tão pouco alinha com o que é moda chamar-se “ciência”. Recusa a ilusão do “progresso” considerando que a famosa “marcha da humanidade” é um comboio num túnel em forma de funil. Os problemas de raiz estão hoje escamoteados no discurso tecnoburocrata. É preciso mudar radicalmente a problemática a partir do quotidiano, transformar a atitude do espírito perante as coisas. A utopia não é um impossível: é um Norte, a Leste ou a Oeste das ilusões confortáveis que hoje são servidas como ópio às massas resignadas. Estava-se em 1977. Ainda não se vislumbravam os contornos da sociedade da informação, tal como hoje a conhecemos, desejamos e tememos – e no entanto há quase trinta anos anunciava-se já o tempo que hoje vivemos.
Raiz & Utopia – de que Helena Vaz da Silva assegurou a direção a partir do nº 5 até ao fim – foi, de facto, pedrada no charco enquanto existiu. Quando parou, não foi por falta de leitores, mas por se ter entendido que se tinha esgotado o seu projeto, que estava cumprida a sua missão de proclamar uma nova atitude face à vida e à política.
A revista perfez um ciclo – nasceu na Primavera, morreu no Outono, 4 anos volvidos –, mas o seu apelo a uma utopia radical, em favor de um repensar dos fundamentos da vida, propagou-se e deixou sementes.
Testemunhos de quem criou e colaborou na Revista: