CRÓNICAS PLURICULTURAIS
172. O 25 DE ABRIL NÃO TEM DONOS
Numa ordem mundial dominada por ditaduras não teria acontecido o 25 de Abril em Portugal, nem outros acontecimentos congéneres seriam possíveis pelo mundo fora. Só uma ordem mundial baseada na democracia poderia ser a sua génese.
Sendo intrinsecamente democrático, na sua essência, o 25 de Abril de 1974 não tem donos, é de todo o povo, não sendo propriedade exclusiva desta ou daquela ideologia, deste ou daquele partido, direito de preferência de alguns, sendo de todos, sejam mais ou menos instruídos ou qualificados e, daí, também, ser feriado.
Não pode, nem deve, ser apropriado por poucos, pois sendo generoso na sua origem nele cabem todos, não sendo de direita, do centro ou de esquerda, havendo nele lugar para democratas, antidemocratas, liberais, antiliberais, comunistas, anticomunistas, radicais e extremistas.
Querer a liberdade de celebrá-lo só para nós, enquanto a negamos aos outros, é trair o sentido mais autêntico daquela data.
Se a sua mensagem mais genuína foi a liberdade, no seu respeito pelas liberdades individuais e direitos humanos, onde sobressaem a liberdade de expressão, de pensamento e o direito à informação, há que repudiar a ideia de que tem proprietários, que é uma espécie de coutada ou tapada proibida a quem pense de maneira diferente.
É contra o espírito do 25 de Abril apropriá-lo, para sobreviver, à custa de autoelogios por atos louváveis praticados anteriormente na clandestinidade.
Assim como o é a sujeição a uma ditadura de opinião que defenda a interdição de partidos de direita, tidos como antidemocratas, ditatoriais e totalitários, mas que aceita como arautos da liberdade partidos de esquerda similares, que sempre defenderam (e defendem) regimes políticos que nunca admitiram (nem admitem) qualquer princípio de liberdade em democracia nos países que têm como modelo.
Nem é aceitável que uma minoria de presumíveis ideólogos da democracia se arrogue no direito de decidir o que é liberdade, muito menos quando é sabido serem contrários ao espírito da alvorada e da primavera de 1974 totalitarismos de direita ou de esquerda, não distinguindo entre ditaduras condenáveis e virtuosas, porque ambas intoleráveis, o que é reforçado pelo voto expresso dos portugueses no decurso de 50 anos.
Uma liberdade que é inerentemente antiautoritária, aberta à mudança, à crítica, ao debate, ao não sectarismo, a novos espaços e mentalidades, tem de incluir na democracia mesmo os que se lhe opõem, sendo o principal remédio (não o único) para que não regressem governos autoritários ou ditaduras.
Sem constrangimentos e sem censura, assim o celebrizemos e continuemos a questionar, neste seu cinquentenário, havendo ainda muito por fazer.
26.04.24
Joaquim M. M. Patrício