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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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SEBASTIÃO DA GAMA

  


Foi com emoção que lembrei a memória de Sebastião da Gama no dia exato em que se completavam cem anos do seu nascimento, no Salão Nobre do município de Setúbal, casa acolhedora e bem conhecida. E veio-me à memória Maria Aliete Galhoz, que considerava “irresistível, a emoção com que fala dele quem o conheceu”, num impulso para testemunhar “sobre uma personalidade sem dúvida humanamente singular, preciosa, se o termo ainda pode ser exato e bom”. Mas foi a Ruy Belo, arguto analista da obra poética do autor de Pelo Sonho É Que Vamos que fui buscar inspiração. E se ele não o conheceu pessoalmente, o certo é que esteve quase livre desse “fascínio vivo”. Se não houve encontro pessoal, a verdade é que a empatia se evidenciou pela leitura da poesia e pela procura da aura que o tempo projetou para além da existência física. “Atravessei o Tejo num «ferry-boat» - diz-nos o poeta de Homem de Palavra(s) - por uma tarde de sol. Depois de Setúbal a caminho do Outão, já eram os passos de Sebastião da Gama que me guiavam. Como se conhecessem a paisagem de há muito. Nem sempre eram grandes coisas que me faziam vibrar. Quase sem querer, ia reconstituindo um quadro esteva por esteva, onda por onda, aroma por aroma. Foi um acaso que me levou a descobrir a pousada, propriedade dos pais do poeta. Eu, cá por mim, nunca a teria procurado. A beleza da vida está em deixá-la acontecer. O sr. Gama - assim lhe chamavam a meu lado – apressou-se a vir ao meu encontro. Naquela altura eu não passava de um cliente. Não foi preciso muito para que nos entendêssemos. Acabou por me servir… poesia. Já havia um por-do-sol lá fora, sobre um mar tão aberto como eu nunca tinha visto, quando reparei naquela senhora de luto – o poeta teria morrido coisa de uns dois anos antes – que a um canto da esplanada via…Não sei bem o que via. Reparei nos seus olhos profundos à força de olhar a vida. Depois… encontrámo-nos a falar dele. Com alegria, claro está. É impossível falar de outra maneira de Sebastião da Gama” …. Eis o encontro, feito de espírito, entre dois poetas, na magia do Portinho da Arrábida. E assim entre Ruy Belo e Sebastião da Gama estabelece-se uma relação capaz de superar a distância do tempo e de preservar o afeto direto da proximidade, sem necessidade do fascínio imediato de quem pela palavra pôde compreender o prazer da alegria e da graça. A poesia atrai os poetas e, por isso ouvimos José Régio a dizer genuinamente: “Quando pude conhecer pessoalmente Sebastião da Gama pensei encantado: “Louvado seja Deus! Ora aqui está um Poeta! Um novo Poeta”. Para Maria Aliete, como para Ruy Belo, o poeta de Pelo Sonho É Que Vamos atinge um estado de deslumbramento quando se exprime pela afirmação dos sentimentos, tendo presente o real, não como abstração, mas como existe, utilizando a palavra “direta, leal, digna”.  O sublime realiza-se na enumeração de referências palpáveis, que começando por ser poéticas, ganham dimensão transcendente – graça, aparição, presença e sinal. O poeta da Arrábida foi um cultor de amizades e o círculo dos seus amigos, permitiu a melhor compreensão da obra, que ganha força pela entrega, pela dádiva, que sempre caracterizou a sua existência. Lembramo-nos de David Mourão-Ferreira, Luís Filipe Lindley Cintra, Maria de Jesus Barroso, Matilde Rosa Araújo, Maria de Lourdes Belchior, Luís Amaro ou Helena Cidade Moura… Franciscanamente filho da Serra da Arrábida, discípulo confesso de Frei Agostinho da Cruz, o poeta amou apaixonadamente a vida, a irmã natureza e a estranha irmã morte. Como escreveu: «Pelo sonho é que vamos, Comovidos e mudos.  Chegamos? Não chegamos? / Haja ou não frutos, / Pelo Sonho é que vamos». E “se é o sonho que nos guia (diz ainda Ruy Belo), a realidade nunca será pobre, porque não passará de um pretexto para ir mais longe». Acompanhou-nos a lembrança de Joana Luísa, sempre presente. E ao deambular em Vila Nogueira de Azeitão foi como se António Osório também ali estivesse.


GOM