Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

O que está no horizonte das possibilidades 

  


Os saberes têm provado que a humanidade só muda na aparência.

A fila dos absurdos na falta de espessura dos humanos perdura até que um e um outro Leviathan

vençam.

O tempo abstrato regista as medulas inclinadas até ao chão.

Até os heróis perdem a decifração do que se passa e perdem-se a eles mesmos num lodo que lhes apaga os vestígios das pegadas do existir.

Os deuses, os deuses

desencadearam há muito um projeto totalitário: o monoteísmo e outros que se lhe entrelaçam e reinam.

Púdicos, confusos, os homens precisam de mimos e encostam-se uns aos outros dentro do mesmo ouriço, numa caminhada sem ato de vontade, prisioneiros-alvo, no cais que agora só os reproduz iguais.

Também se chora a ler versos sem os entender, desconhecendo se se imagina a pungência, ou se apenas umas coisas vão tirando as outras e todos se consolam como nobres figuras.

A plasticidade foi excessiva nalgum ponto de luta e a casa de cada um deixou de ter forma, telhado ou halo.

Mas eis que rebenta uma flor, uma flor que conhece o que está no horizonte das possibilidades, uma flor com aroma e com um pio que orienta cegos; uma flor tão sensata que conhece os limites da liberdade; uma flor que concluiu que a finitude estimula a formação de projetos, mesmo que o horizonte seja chão, solidão essencial ou sobressalto.

E eis que os saberes confluentes assomam assim na natureza nua.

E eis que a flor expõe de novo o vínculo grandioso que nunca se apossou da totalidade dos possíveis.


Teresa Bracinha Vieira

ESPERANÇA & EXIGÊNCIA


Como imaginar o futuro da democracia em Portugal? Eu tinha vinte e um anos em 25 de Abril de 1974 e as esperanças que tive nesse tempo mantêm-se. O mundo alterou-se profundamente, mas as preocupações fundamentais persistem. “Por um país de pedra e vento duro / Por um país de luz perfeita e clara / Pelo negro da terra e pelo branco do muro” – assim definiu a Pátria Sophia de Mello Breyner (Livro Sexto, 1962). É a dignidade humana dos portugueses, como seres livres e iguais em dignidade e direitos, que está em causa, muito mais do que longas listas de boas intenções. E se a palavra-chave é Democracia, temos de compreender que é um sistema de valores que está em causa. Temos de estar determinados numa cidadania inclusiva, muito mais do que em desenvolver estados de alma ou do que propor listas de encargos. Urge combater a indiferença e a mediocridade, bem como a tentação das soluções providenciais. Ou os cidadãos e a sociedade toda assumem responsabilidades, pela descentralização, pela participação e pela subsidiariedade ou o fatalismo do atraso e a subalternização prevalecerão. É o Estado de Direito que temos de continuar a aperfeiçoar – com o primado da lei, a justiça justa e célere, a transparência nas instituições, instâncias mediadoras próximas dos cidadãos, governo do país pelo país, poderes locais prestigiados e eficazes, legitimidade do exercício, avaliação e prestação de boas contas, economia humana, preservação da biosfera e da qualidade ambiental…  Aplique-se, por exemplo, a Constituição, quando prevê no sistema eleitoral um círculo nacional em complemento da proporcionalidade.


Ter caminhado de 25 por cento de analfabetos, há cinquenta anos, para um número despiciendo hoje foi um avanço significativo que deve ser preservado e consolidado. O mesmo se diga da mortalidade infantil, da escolaridade obrigatória de 12 anos, da melhoria nos índices de retensão e de abandono escolares, mas também do investimento em investigação científica e da cooperação internacional. A qualidade das aprendizagens no ensino e na formação tem de melhorar, valorizando e avaliando as escolas, os professores e educadores e criando uma responsabilidade partilhada com as comunidades e as famílias. O aumento da esperança média de vida, o crescimento da população com mais idade, a melhoria na qualidade dos cuidados de saúde e o envelhecimento ativo, eis o que não poderemos esquecer. Como disse Eduardo Lourenço, temos de ser nós próprios, sem a tentação de ilusões de grandeza ou de miséria, em nome de um patriotismo prospetivo e audaz. Só a democracia pluralista e a cidadania inclusiva preservar-nos-ão de perigosos retrocessos. Só se formos exigentes, se soubermos querer, se cuidarmos do partir e do regressar, se dispusermos do saber de experiências feito, se tivermos memória, se não esquecermos o legado de quem nos antecedeu, se planearmos e avaliarmos – é que podermos ser relevantes. A Europa e os mundos da língua portuguesa abrem-nos horizontes de diálogo, de cooperação e intercâmbio que temos de prosseguir, porque a cultura da paz obriga a maior partilha de soberanias.  Como na “Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya” de Jorge de Sena, cabe-nos desejar “Um simples mundo, / onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém / de nada haver que não seja simples e natural” (Metamorfoses, 1963). 


GOM

Pág. 4/4