CRÓNICAS PLURICULTURAIS
180. DEBATENDO A DUALIDADE E A ESSÊNCIA DA CONDIÇÃO HUMANA
Sempre, em qualquer parte, ao lado do Bem existiu o Mal. É impossível imaginar um sem o outro.
Nos vários sistemas religiosos explicativos do universo, os espíritos do bem e do mal parecem ter nascido conjuntamente do caos, subsistindo sempre, num combate incessante e permanente, ora vencidos, ora vencedores.
Segundo a Bíblia, quando ainda não existia este mundo, já no Além houvera um crime político: a revolta dos anjos maus, comandados por Lúcifer, contra Deus. Criado o ser humano, cometeu de imediato os crimes de desobediência e furto, a que se seguiu a sua condenação e punição.
Assim convergiram e se incarnaram nos humanos os princípios do bem e do mal. Assim se explica, nesta perspetiva, que nenhum de nós seja incapaz de praticar o mal, nem que nenhum delinquente, marginal ou criminoso esteja incapacitado de realizar atos reveladores do bem.
Nesta dualidade fundamentam-se as teorias da prevenção do crime e da regeneração do delinquente pela pena, pelo trabalho e pela educação.
Indicia-se ser inglório saber qual dos dois princípios é mais antigo, aparentando ser duas faces da mesma moeda, tendo nascido em simultâneo.
E o bem pode associar-se ao bom, a Deus, à luz, ao certo, à norma e à ordem estabelecida, o mal ao mau, ao Diabo, às trevas, ao errado, à transgressão.
Porque nem tudo é a preto e branco repugna, a muitos, o maniqueísmo.
Ser de direita, do centro ou de esquerda, é bom ou mau? Onde fica o bem e o mal?
É usual dizer-se que não podemos viver sem reflexão transdisciplinar, dado que a análise global não se pode apoiar apenas nas conquistas da investigação especializada, pois há fenómenos cuja compreensão não é acessível por uma observação tecnicista e laboratorial, havendo que situá-los no meio ambiente, num conjunto complexo de interações.
Daí a preocupação de contrapor à especialização dos conhecimentos a investigação transdisciplinar, no seguimento da velha frase de Pascal, segundo a qual não podemos conhecer o todo sem conhecer as partes, como não podemos conhecer as partes sem conhecer o todo.
Todavia, pretende-se apenas detetar o possível, dentro do possível, em obediência ao princípio de que tudo é possível e questionável de novo.
Significa que aceitamos a incerteza, que sabemos e não sabemos.
Significa que o que se nos depara como fundamental é a necessidade de assumir plenamente a ausência de uma verdade absoluta, de aceitar o erro e a incerteza como componentes iniludíveis de toda a atividade humana.
Quando uma teoria se fecha ao real, os seus axiomas tornam-se dogmas e ela própria se transforma numa doutrina, assumindo a sua verdade como definitivamente provada e refutando todos os desmentidos tidos como reais.
Ora, toda e qualquer teoria só é verdadeira dentro de certas condições e limites, pois a verdade é biodegradável, abrindo-se ao mundo exterior e correndo os riscos de modificação e morte, tendo de permanente a sua luta, ao seu redor e em si própria.
E se, na vida, há algo de belo em todos termos uma missão, também temos a convicção de que a verdade e a verdadeira essência da condição humana está muito para lá daquela que convencionamos aceitar para podermos viver em coabitação, não sendo a internet e a inteligência artificial a mãe-de-Todas-as-coisas, porque permanecem sempre mistérios fora do alcance da imensurável sapiência que se queira atribuir a um verdadeiro Deus, e não a uma presumível divindade do Homo Deus.
21.06.24
Joaquim M. M. Patrício