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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS


184. O PARADOXO DE FERMI, O GRANDE FILTRO E A INCERTEZA


1.
O físico italiano, naturalizado estado-unidense, Enrico Fermi, observou que talvez estejamos sós no universo, dada a enorme quantidade de estrelas da nossa galáxia (200 mil milhões), quase todas com planetas, não se tendo encontrado, até agora, qualquer civilização extraterrestre. O que é desesperante e intrigante, pois tendo o universo surgido há biliões de anos e havendo triliões de estrelas dispersas pelo cosmos, seria expectável que a civilização humana tivesse contactado ou encontrado sinais de seres extraterrestres, o que nunca sucedeu. Daí o paradoxo de Fermi: a aparente contradição entre a elevada possibilidade de civilizações extraterrestres e a ausência de provas que certifiquem a sua vivência.   


Há várias respostas, plausíveis e racionais, no âmbito da nossa racionalidade. 


Não investigamos nem procuramos há tempo suficiente: os humanos surgiram há um milhão de anos e só há cinquenta começámos a ter radiotelescópios com capacidade de comunicar a distâncias interestelares.   


Não estamos a olhar para os lugares e sítios certos: englobando o universo tudo o que existe, desde o microcosmo ao macrocosmo, galáxias, estrelas, astros, cometas, nebulosas, buracos negros, partículas subatómicas, o além e o infinito, levará tempo a descobrirmos formas de vida mais complexas. 


Os dados astronómicos até hoje recolhidos (ondas de rádio e de todo o espectro eletromagnético: infravermelho, ultravioleta, luz percetível, micro-ondas, raios x e gama), não provam haver vida inteligente no universo. 


Pelo que sabemos, formas mais simples de vida, a vida unicelular, serão mais comuns, devendo ser raras ou inexistentes as mais avançadas e complexas.


Mesmo que escassas ou existentes numa escala relevante formas de vida complexas e inteligentes, exigem uma civilização tecnológica evoluída, compatível com a nossa, que viabilize uma comunicação espacial e interestelar recíproca. 


Emergiu apenas há duzentos anos a civilização tecnológica do nosso planeta, tempo demasiado diminuto por confronto com o início da vida na Terra.   


Não descobrimos, até ao presente, assinaturas de calor residual de civilizações extraterrestres tecnologicamente avançadas que, em princípio, devíamos detetar através de telescópios terrestres ou espaciais.     


As sondas terrestres não encontraram artefactos, sinais ou vestígios de outras civilizações, nos locais explorados, tudo parecendo intocado.


Embora fosse previsível a descoberta consumada de planetas extrassolares, outras estrelas (como o sol) com planetas, pulsares e rajadas rápidas de rádio, a radioastronomia e outros modelos de astronomia ainda são insuficientes, mesmo que cada vez mais adequados. 


2.
Porém, a resposta mais clássica é o chamado Grande Filtro: tem-se como hipoteticamente comum a todas as civilizações tecnológicas, como a nossa, chegarem a um certo grau de desenvolvimento em que se autodestroem, o que é possibilitado, por exemplo, com a descoberta da bomba nuclear. Daí que, talvez, apenas uma percentagem muito residual seja capaz de ultrapassar esse período de “progresso”, dado que a esmagadora maioria ou a totalidade das sociedades inteligentes finam, autodestruindo-se, antes de encontrarem outras civilizações.


Na civilização terrestre, como sabemos, a possibilidade de guerra coexiste com as armas nucleares, daí podendo resultar horrendas consequências, entre elas a destruição da nossa espécie, em que a doutrina da dissuasão pode ser letra morta. Para evitar um conflito nuclear, é necessário haver sanidade mental. Nem todos a têm. Se assim é connosco, o mesmo pode suceder com outras civilizações extraterrestres inteligentes e tecnologicamente evoluídas.


A que acresce termos que lidar com a quarta revolução industrial, a decorrer: a inteligência artificial (IA).  


Nesta evolução permanente, o grande filtro pode vir da inteligência artificial, e não das armas nucleares. A tecnologia da IA pode vir a ser responsável pelo sucumbir da nossa civilização, impedindo-nos de alcançar o nível tecnológico imprescindível para viagens interestelares. Raciocínio que se aplica, por analogia, a civilizações extraterrestres similares ou mais avançadas que a nossa. Há quem preveja que quando as civilizações usarem, de modo generalizado, a IA, devem durar apenas entre 100 a 200 anos.   


3.
Somos um pequeno mundo dentro de outros mundos, uma pequena parte do cosmos que esmagadoramente desconhecemos, de um universo que nos deslumbra e fascina, nos interroga e põe à prova a nossa finitude, imperfeição e o princípio da incerteza, de que na repetição permanente e sucessiva de interrogações encontramos a razão para continuar, ir mais além do além, até onde o engenho e arte nos permitam.


Há uma curiosidade crescente em sabermos o que não sabemos, resistindo ao cansaço da rotina, do humanamente previsível: se o sistema solar é basicamente pristino (intocado), se há civilizações menos evoluídas, iguais ou mais avançadas que a nossa, se há civilizações que viajam entre as estrelas enviando sondas, robôs ou satélites, se (in)visíveis aos humanos, se as civilizações tecnológicas são raras, efémeras ou vítimas de si próprias exterminando-se ou autodestruindo-se, se há mobilidade da vida entre planetas e  a possibilidade de emergir várias vezes e não uma só, quanto tempo pode estar ativa uma civilização tecnológica, como usa os seus recursos naturais e quais os seus efeitos no impacto ambiental, se tem armas de destruição maciça???, etc. Formulações de porquês, geradoras de outros porquês, até ao infinito… 


Estou convicto que tempos virão em que acharemos ou descobriremos outras civilizações, ou o inverso, gerando uma era de novos achamentos ou descobrimentos, extraterrestres e interestelares, sendo improvável que na infinitude do cosmos não haja outros espaços habitáveis e inteligíveis, quiçá ultrapassando os nossos limites, porque de momento inacessíveis ou invisíveis. Não estarei cá para o testemunhar, por certo, o que muito, muito lamento! 


Filmes e literatura de ficção científica, vão atenuando a nossa curiosidade e incerteza, inspirando a nossa imaginação, o que é melhor que nada, mas não chega.


Para nós, humanos, dado o que conhecemos, o desafio é maior do que nunca, pois apesar de mais poderosos e sofisticados a nível científico e tecnológico, isso não nos garante que os que têm o poder sejam as melhores pessoas para o usarem, não só em termos políticos, mas também éticos e morais, ou de um mero bom senso. Mas podemos e devemos contribuir para que a sua ação se paute por um sentido alto de direção ética, moral e política, mesmo tendo por adquirido que vivemos numa sociedade internacional imperfeita.        


19.07.24
Joaquim M. M. Patrício